DIREITO PENAL DO FAZ DE CONTA - Enviado ao site
Nasci em plena 2ª Guerra Mundial. Dei meus primeiros passos na plenitude do Estado Novo. Desde meu engatinhar na vida, senti que a minha prog?e fazia com que houvesse discrimina? por descendente tudesco. Creio que tudo isso incutiu em mim uma eterna paix?pelo direito de defesa.
A pr?a inclina? pela Advocacia criminal, com participa? ativa no Tribunal de J? representava o resultado dessa fermenta? de sentimentos pelo mais fraco e pelos seus direitos de defesa. Num dos momentos perigosos da vida nacional, defendi estudantes tidos como subversivos.
Vivi quase meio s?lo de Advocacia ligada ?efesa do ser humano.
Convivi com ju?s humanos os quais poderia enumer?os, mas temo cometer injusti?olvidando, inconscientemente, algum deles. O mesmo digo dos promotores e procuradores de justi?que vaidosos e altaneiros, pediam a absolvi? do r? cuja prova se mostrasse duvidosa. Isso tudo no tempo do j??esquecido princ?o do “in dubio pro reo.”
Desde logo aprendi com Cesare Bonesana, o Marqu?de Beccaria que, a partir do momento em que o juiz ?ais severo do que a lei, ele ?njusto, pois acrescenta um castigo novo ao que j?st?eterminado. Com ele tamb?aprendi que n?seria a quantidade da pena que daria a no? do justo penalizador, e sim, a sua qualidade.
Pensei que j?ivesse visto tudo em mat?a de julgamento penal.
No entanto, de forma lament?l, passa-se a ver tanto absurdo que me sinto obrigado a dar meu parecer a cerca daquilo que n?existe mais, pois que ofuscado pelas raz?“do faz de conta.”
O art. 5º da Carta Constitucional Cidad?pro? que o indiv?o seja condenado ?ena de morte, pris?perp?a ou a banimento, porque lhe ?epugnante a aplica? dessas formas cru? de se penalizar o ser humano.
Uma dama acaba de ser condenada a quase um s?lo de pris? Sim, 94 anos ?uase um s?lo. ?o que diz a senten? Claro, pois, no caso em tela, a condena? se n?? pena perp?a ?por certo, pena de morte. Ou a apenada viver?anto? Por isso ?ma pena “faz de conta.”
Claro, o tribunal lhe deu o direito de apelar solta, j?ue respondeu o processo em liberdade.
Mas, a respeito da pris?decretada pelo juiz paulista, uma conceituada revista proclamou: o Brasil daria tamb?um passo gigantesco na luta contra os que roubam dinheiro p?co se aos corruptos do mundo oficial fosse dispensada a mesma e diligente orquestra? de esfor? de pol?a e Justi?que levou ?ondena? e a pris?da dona da Daslu.
Ora, at? um estudante do primeiro semestre do Direito, tal senten?n?teria sentido. Lamentavelmente, o direito brasileiro n?tem uma filosofia que defina teleologicamente, o sentido da pena. N??unitiva, n??xemplificativa e, muito menos, recuperadora. E a prova disso ?ue, do fundo dos c?eres, os detentos comandam o crime no Brasil.
Mais, ainda: nas altas esferas do poder n?se punem os mensaleiros, os que trazem dinheiro na cueca, os que enriquecem ?custas das verbas p?cas, os donos de castelos medievais, e nem os maculadores do Senado Federal. E, ao supremo mandat?o do pa? ante qualquer constrangimento digno de uma ren?a (claro que num pa?de seres civilizados) basta-lhe a frase “eu n?sabia” para a absolvi? plen?a e a certeza de que do fato “resquiat in pacem.”
Isso desmoraliza o nosso sistema jur?co, emascula a figura da justi?e aprisiona o direito de se combater a verdadeira criminalidade.
A li? de Ruy aqui ?plicada ao posto: “a regra da igualdade n?consiste sen?em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam.” Os poderosos s?aquinhoados pelo poder de forma desigual, quais sejam, agraciados com o sil?io de seus pecados, enquanto que, aos outros, tem que se fazer de conta que, nele, est?punindo todos os pecados do mundo, e com o fogo do inferno.
No entender de Beccaria, “a moral pol?ca n?pode oferecer ?ociedade qualquer vantagem perdur?l, se n?estiver baseada em sentimentos indel?is do cora? do homem”. E, com a grandeza que caracterizava suas id?s, ensinava: “fa?os uma consulta, portanto, ao cora? humano; encontraremos nele os preceitos essenciais do direito de punir.”
N?creio que os 94 anos de reclus?tenham sa? do cora? de um ser humano, n? Mas, afirmo a todos que n?perdi a esperan? Dias melhores h?de vir.
* Advogado