Ives Gandra Martins, jurista, advogado, professor e escritor brasileiro, é uma figura que dispensa maiores apresentações. Apenas por ser quem é, seu livro Uma breve teoria do poder, que acaba de ser relançado pela valente editora Resistência Cultural, em uma terceira edição de belíssimo acabamento, revista, ampliada e atualizada, já seria automaticamente recomendável. Constato, após a leitura, que a qualidade prometida pelo nome do autor está entregue.
Ao tecer comentários sobre a obra, jamais, em minha pequenez, eu poderia me substituir, diga-se de passagem, aos textos introdutórios, anexados ao conteúdo, redigidos por figuras do calibre de Ney Prado, Antônio Paim e Ruy Altenfelder. Ainda assim, ainda que algo acanhado pela grandeza dos nomes, permito-me a ousadia. Em contraposição a essa ousadia, o autor acredita que seu trabalho tem uma pretensão modesta. Ele já o principia afastando de sua “breve teoria”, tal como ela já é apresentada no título, qualquer adjetivação convencional – seja política, econômica, histórica ou jurídica. “É apenas uma teoria sobre a natureza do homem, no exercício do poder sobre os outros, quando assume governos”, o que seria, a seu ver, a restrição fundamental de seu escopo temático, estando ele inclusive não muito à vontade com a suposta abrangência da própria palavra “teoria” que selecionou, na ausência de outra melhor.
Minha dificuldade é em compreender sob que ponto de vista isso pareceria pouca coisa. O professor Ives Gandra está atacando o ponto fulcral: a real dimensão do humano, sem conferir credibilidade a abstrações por definição intangíveis, no trato com a questão do poder. O livro tem uma pretensão analítica, desde já digo que muito bem realizada, maior do que a que confessa, e das observações que destrincha podemos deduzir consequências práticas, úteis às nossas presentes reflexões sociais e políticas.
Essencialmente, Ives Gandra é cético em relação às grandezas morais do homem e do poder. A busca pela sua posse e exercício não seria, em caráter geral, consequência de anseios transformadores motivados por nobres virtudes, ou disposições naturais para servir; conquanto consinta em que existem, como exceções, os nobres estadistas (entre os quais ele pontua Churchill e o presidente brasileiro Campos Salles), em geral os homens querem o poder em uma sanha de ambição pessoal originária “do instinto de sobrevivência”. O autor compara o homem primitivo aos animais, que disputam a liderança para se manterem vivos. Entre as primeiras tribos, o objetivo seria o mesmo: buscar o comando para ter maiores chances pessoais de sobrevivência, muito embora, justamente por isso, ainda que totalmente em segundo plano, esse anseio “egoísta” o levasse a aumentar, pelo próprio talento, as chances de sobrevivência da coletividade.
“Desde os tempos primitivos, o homem deseja o poder por um instinto de sobrevivência e de comando, em que o servir é apenas um efeito colateral – mas não necessário – e que o próprio exercício do poder esconde uma luta pela sobrevivência, a qualquer custo, em patamares inimagináveis, em face das ambições dos que o procuram”. A partir dessa premissa, Ives Gandra faz uma viagem, ancorada em extensa e apurada bibliografia e reveladora de um vastíssimo conhecimento em História, por diferentes épocas da humanidade – com direito a uma reconstrução curiosíssima das principais guerras e conflitos em geral da Antiguidade -, pelo desenvolvimento da questão do poder ao longo de todos os tempos do Homo sapiens sapiens. Sua conclusão é que esse princípio não se modificou de maneira substancial, e que variantes dos mesmos anseios e dos mesmos erros ainda grassam nas diversas sociedades, quer na Babilônia Antiga, quer na Roma dos césares, quer na era de Napoleão, quer no mundo dos bolivarianos, dos populistas latino-americanos e dos extremistas islâmicos de hoje em dia.