• Antônio Augusto Mayer dos Santo
  • 12/04/2021
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VOTO IMPRESSO: SEGURANÇA E SOBERANIA

 

Antônio Augusto Mayer dos Santos

 

A questão é conhecida. Num julgamento concluído em outubro de 2020, o Supremo Tribunal Federal, mediante previsível unanimidade, tolheu o eleitor de conferir o seu voto após confirmá-lo na urna. Após umas poucas horas de sessão, o veredito aniquilou meses de trabalho do Congresso Nacional e obstruiu uma legítima aspiração nacional. A “discussão” travada girou em torno do artigo 59-A da Lei das Eleições incluído pela Lei 13.165, de 2015. Esta norma previa a obrigatoriedade de impressão do registro de cada voto depositado de forma eletrônica na urna. No entanto, o STF declarou-a inconstitucional “por colocar em risco o sigilo e a liberdade do voto” (site do tribunal).

 Deboche é um substantivo que se revela insuficiente para classificar tanto as 43 páginas do acórdão deste julgamento quanto as oito da petição inicial da Procuradoria Geral da República. Em verdade, tratou-se de um insulto, um nocaute na cidadania. Ao decidir, o relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.889 afirmou que as urnas utilizadas no Brasil não podem imprimir votos porque as mesmas têm impressoras internas aptas apenas para imprimir o relatório inicial, na abertura das votações, e o boletim de urna, em seu encerramento. Disse também que para ligar uma impressora à urna, seria necessário que esta fosse “inexpugnável, à prova de intervenções humanas”, pois caso contrário, ao invés de aumentar a segurança nas votações, serviria a fraudes e à violação do sigilo dos votos.

Ressalte-se que faltou ao STF o crucial, ou seja, admitir que o tema, pelo fato de ser maior que o sistema, avança em torno da certeza que o eleitor brasileiro requer acerca do seu voto. Da mesma forma, foi omitido pelo plenário que nenhum partido político brasileiro consegue desenvolver programas similares aos oficiais para proceder na conferência das assinaturas digitais das urnas. Por que eles não conseguem? Porque o sistema adotado aqui, conhecido como Direct Recording Electronic (DRE), não permite que o que foi gravado no Registro Digital do Voto seja conferido.

Isso mesmo. O DRE brasileiro é obsoleto a ponto de impossibilitar contagens ou recontagens de votos. Sem estas providências, não há como questionar juridicamente o resultado de qualquer pleito no território nacional. No país de Macunaíma é proibido duvidar de eleição. É sem VAR e ponto final.

Ainda tem mais. Inúmeros são os estudos referindo que a eficiência propagada pelo oficialismo do TSE - adversário histórico do “rastro de papel” - não é suficiente quando as instituições legitimadas para a fiscalização não dispõem de preparo técnico e orçamentário necessários. Aliás, foi exatamente a falta de transparência neste processo todo que ensejou a proibição de seus similares na Holanda, após mais de uma década de uso, e a declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha em 2009, ao argumento da carência de confiabilidade e publicidade. Na Índia o desfecho não foi outro após dezenas de peritos voluntários provarem que o sistema era fraudável.

Não se trata, portanto, de postular o retorno ao voto manual ou às intermináveis apurações em ginásios de teto de zinco. Não. A demanda é outra e bem direta: mais informação e maior possibilidade de controle dos resultados em nome e função da democracia, conforme preconizado pelo relatório da Proposta de Emenda à Constituição nº 113/15.

Ao contrário do que parolou o STF por meio de sua retórica defendente e inadequada, a impressão do voto pode ser desenvolvida com segurança técnica de modo a viabilizar não apenas a certeza do sufrágio, mas também para subsidiar auditagens independentes e impugnações judiciais. Neste sentido, nem tudo está perdido. Embora tenha sido abatida por aquele que deveria enaltecê-la, a postulação agora deve ser encorajada e insistida junto à PEC nº 135/2019 da Câmara dos Deputados. Voto impresso com segurança é soberania.

*Antônio Augusto Mayer dos Santos é Advogado eleitoralista, professor de Direito Eleitoral e autor do livro "Campanha Eleitoral – Teoria e Prática" (Verbo Jurídico).