Gostaria de tecer palavras para enaltecer, elogiar e demonstrar meu espanto com as coisas. Mas, deparo-me com a realidade, com os fatos, sempre eles, e não há motivos para alegria.
O título desta é uma alusão direta ao ocorrido entre o advogado e o ministro Lewandowski. Sim, ministro com letra minúscula. Já há muito tenho indicado, neste espaço, o quanto nossas estruturas de estado estão apodrecidas, carcomidas. Corroeram-se na própria dinâmica de manter seus privilégios, defenestrando os interesses de seus verdadeiros patrões (o povo).
O episódio acima, em que o ministro mandou prender um advogado, no avião, porque ouvira do advogado que o mesmo sentia vergonha do STF, é a exata amostra do que querem nos impor. Ainda que o advogado tenha sido inoportuno, vale lembrar que o ministro Gilmar Mendes já se viu, por várias vezes, confrontado e nem por isso tomou a mesma atitude. Não se trata aqui de exaltar Gilmar Mendes, mas de se criticar a atitude de Lewandowski, que mostrou, mais uma vez, o seu verdadeiro viés como servidor público: é uma autoridade autoritária. Tais “autoridades”, não podem ser confrontadas. Não devem satisfações a ninguém. Não precisam prestar contas. São donos do poder.
Para apimentar a celeuma, o ministro ofendido divulgou uma nota dizendo que ao perceber que o STF fora injuriado, reagiu cumprindo seu dever funcional. Usou a expressão injúria com sentido técnico-jurídico, como crime contra a honra. Dizer-se envergonhado por alguém pode ser indelicado, chato mesmo. Contudo, essa percepção pessoal, ainda que externada, ainda não é crime. Em verdade, se houve crime, quem o cometeu foi o ministro, que abusou de sua autoridade. Entretanto nunca que o estado admitirá, mormente a função judiciária, que tenha cometido crime de abuso de autoridade. Aliás, essa é uma confusão comum por aqui. Agentes de estado não gostam de serem questionados ou cobrados no exercício de suas funções e, em especial, o poder judiciário é o que tem mais resistência a essa cobrança. A ideia de que são servidores e, portanto, devem servir, não entrou na cabeça de boa parte deles. A ideia de accountabillity, ou seja, de prestar contas ao povo do que fazem, do como fazem, por que fazem e quando fazem, é algo que, absolutamente, não assimilaram.
A reação do ministro, mandando prender, é bem uma amostra disso.
Todavia, infelizmente, não me espanta.
Notem que, em especial o stf (minúsculo mesmo), assim como grande parte do judiciário, tem se mostrado com voraz apetite em aparecer, em mostrar-se como força, inclusive política, determinado destinos e comandos que não seriam próprios dessa função de poder, mas sim das demais. Todavia, quando assim se comportam, exteriorizam sua tendência arbitrária e nada respeitosa para com verdadeiros donos do poder. Vejo, há muito tempo, uma certa complacência com o chamado “ativismo judicial”, que invade as esferas próprias de outras funções de poder, subvertendo a ordem democrática. Assenhorar-se do poder que pertence ao povo é uma forma de solapar a democracia, pois a função judiciária não se submete ao escrutínio; juízes não são eleitos e escolhidos pelo povo, o que nos obriga a atura-los até que vistam o pijama (de seda) ou que algum verme roa suas carnes frias (fiquei machadiano…).
Contudo, essa situação tem mais significância do que parece. Ao mandar prender, quis calar, e mandou as calendas a ideia da liberdade de expressão. Com muita franqueza, creio que já faz muito tempo que o vêm fazendo, mas essa situação, de tão anormal, expôs a natureza do que realmente pensam. O pior é que, logo a corte que deveria defender os mais sagrados direitos inerentes a cidadania, para defender sua “honra”, afogou a liberdade de expressão e o pobre “livrinho”. Se era para defender o stf, jogou água fora com criança…
Cabe lembrar ainda que, o advogado vitimado, agindo não como advogado na defesa de alguém mas como cidadão exercente dos mais elementares direitos, foi calado pela violência do estado. Creio que o mesmo agiu mais como cidadão do que como advogado, pois tivesse agido como advogado, teria ali, no ato, criado um bom imbróglio para o ministro que, com sua atitude desmedida, alvejou a LOMAN e a Constituição Federal, para dizer o mínimo.
Não há mais espaço e nem tempo para agentes que públicos que não se importam com a crítica e creem que estão acima do bem e do mal. No executivo e legislativo, ainda que de maneira branda, já se mostrou isso, nas últimas eleições. Creio que está chegando a hora do judiciário começar a prestar contas…Dentro em breve, não haverá mais espaço para carros oficiais, palácios monumentais, auxílios moradia e, tampouco, com o “teje preso” (sic). O povo exige respostas e não um “cala boca”. Melhor aprender com Santo Agostinho: prefiram a crítica que corrige ao elogio que corrompe.
*Marcus Vinicius Ramos Gonçalves, advogado, é sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados, professor convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ, presidente da Comissão de Estudos em Comunicação da OAB/SP e do Iladem (Instituto Latino-Americano de Defesa e Desenvolvimento Empresarial).
** Publicado originalmente no Diário do Poder