• Sônia Zaghetto
  • 23/05/2018
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SUPERNOVA

 

Uma supernova brilhou nos céus do Brasil. Mal sabia que a explosão que a tornou visível já lhe anunciava o fim. A eleição de Lula para a Presidência da República é o marco inicial de sua queda.

Eleito, carregava consigo a esperança de muitos. Gente simples, que acreditava na lenda do trabalhador inculto que venceu as elites. Gente sonhadora, que o louvava como pai dos pobres, D. Sebastião revivido, campeão da ética, herói que venceria a fome e encantaria o mundo. Nas redações, sindicatos e universidades intoxicados de idolatria infante, era bicho raro, ave exótica que nunca estudara mas cuja sapiência era louvada. Uma lenda que ainda hoje alimenta o imaginário da cada vez mais esquálida academia brasileira e de um jornalismo torcedor e tacanho.

Mas o poder tem lá suas seduções e armadilhas. Uma delas é revelar a verdadeira natureza dos homens. Lula aliou-se aos antigos inimigos, fez tudo o que antes dizia condenar, arrumou justificativas para cada ato indigno. O Fome Zero jamais saiu do papel.

Veio o mensalão. Havia algo de podre no reino das vestais impolutas. O esquema subterrâneo de Dirceu começava a ser conhecido. Ponta de iceberg, mas suficiente para acender o alerta. Uma parte dos antigos aliados debandou. Foram-se o Bicudo, a Heloísa, o Cristovam.

Arrumou substitutos. Agora lambuzava-se com Sarney, Collor, Renan e Jucá. Bebiam na mesma taça de torpezas. Champanhes, jatinhos, adegas e ternos caros eram sua vida, mas ele ainda se apresentava como operário. A aura de herói injustiçado o mantinha enfeitiçando universitários, artistas e outros devotos. Comprou uma bela máquina que moía reputações, apostou em um país dividido, criou frases que nutriram ódios e incendiaram a imaginação pré-adolescente de alguns. E os doutores, que valorizavam os títulos e diziam honrar os livros e a ciência, nem se deram conta de que ele consolidava na alma brasileira a preguiça e o desprezo pelo intelecto.

Apresentou sua sucessora. Era medíocre e arrogante, mas estava embriagada pela possibilidade de voar alto. Criou-se para ela também uma imagem falsa, de eficiência, valentia e honestidade. A realidade se impôs, cruel como sempre, em atos e discursos. Pobre mulher, rainha do auto-engano, imperatriz de um reino imaginário.

No meio do caminho havia a Lava Jato. Caíram o Delcídio, o Palocci, o Dirceu, o Vaccari, o João Paulo, o Mercadante. Martha foi embora. Odebrecht desnudou o apocalipse. E, nas noites, sussurrava-se sobre um cadáver insepulto, o de Celso Daniel. Um fantasma, como o pai de Hamlet, clamando por justiça.

Pedalinhos e pedaladas. Triplex e impeachment. O sonho de poder se desfez entre miudezas, como um sítio que ele poderia ter comprado. Sequer pagou pelos armários da cozinha – o que diz muito sobre sua pequenez.
Soterrado por denúncias, encolheu a cada escândalo, denúncia e depoimento.

Da altivez arrogante de outrora, Lula tornou-se uma figura trágica. Revelou-se de forma plena. Era agora bem visível a extensão de sua indigência moral. Comparou-se a serpentes venenosas, exagerou-se como a alma mais honesta do Brasil. Suas negativas soavam patéticas e a insistência em dizer que nada sabia o transformaram em figura folclórica e ridicularizada.

Marisa morreu. A companheira foi velada em um comício-bravata e tornada responsável por recibos, contratos e negociações. Mais um cadáver a arrastar correntes pesadas com marcas de lodo e horror.

Palocci falou, com voz arrastada: havia um pacto de sangue. Ainda assim, nada parecia abalar a devoção de alguns de seus súditos: encharcados de teorias da conspiração, agarrados à túnica do ídolo, levaram-no a liderar a corrida presidencial. A alguns pouco importava se Lula comandou o maior esquema de corrupção da história brasileira.Às favas o saque aos cofres públicos. Que importa se a Pátria sangra?

Condenada, carregada de processos, com os bens bloqueados, a antiga estrela promoveu uma caravana. Gabava-se da força, da disposição, debochava dos adversários e açulava seus defensores contra os que considerava adversários. Seus advogados protelavam o cumprimento da pena. Recebeu ovos, pedras e tiros no ônibus. Reclamou do ódio que semeou, cultivou e agora colhe.

Veio o julgamento no Olimpo brasileiro. Minerva decidiu o jogo de poder, enquanto as demais divindades guerreavam entre si. Encerrados em suas torres de marfim, alguns deuses não viram a exaustão de um povo. Venceram os que farejaram o perigo de consolidar a sensação de que, no Brasil, os poderosos compram impunidade.

Por fim, a ordem de prisão. Sergio Moro concedeu ao ex-presidente benefícios devidos à dignidade do cargo presidencial: nada de algemas, cela especial. Uma ironia final, destinada a contrastar com a indignidade dos atos de quem ocupava o cargo.

Lula terá o tempo de vida que lhe resta para descobrir que livros são úteis, sim. Faltou-lhe ler os filósofos, os pais de outras nações e os grandes mestres da retórica e do Direito. Se houvesse conhecido o velho Aristóteles, descobriria que pathos (as paixões) precisam de ethos (o caráter do orador) e de logos (o conhecimento) para que ocorra a persuasão que captura em definitivo a alma da audiência. As biografias o ensinariam que mesmo o grande Cícero, que mesmerizava multidões, terminou com um alfinete de cabelo espetado na língua. Coisas da política.

Era uma vez uma estrela que brilhou nos céus do Brasil. Mal sabia que era uma supernova.

*Publicado originalmente em soniazaghetto.com