(Publicado originalmente em http://www.ubirataniorio.org/)
Como o mundo inteiro está sabendo, a sociedade venezuelana está doente, muito doente, em estado de diátese econômica, moral e social, cuja causa – e temos que apontá-la peremptoriamente - é uma e somente uma: o socialismo. A mídia, no entanto - com raríssimas exceções - silencia sobre essa causa e chega a recorrer a metáforas tão mirabolantes quanto patéticas para escapar de mencioná-la.
O lema bolivariano - ¡Socialismo o muerte! - é um grande engodo, um enorme embuste e por uma razão muito simples. Assim como no plano individual não existe escolha entre beber em excesso e ficar embriagado, ou entre entrar com seu carro em uma favela do Rio e tê-lo alvejado por marginais, também não existe opção no âmbito social entre socialismo e morte, porque o socialismo, conforme um século de demonstrações desnuda, é a morte. O mote correto, portanto, deve ser: ¡Socialismo es muerte!
Refiro-me ao socialismo em sua forma mais radical, o comunismo, com abolição da propriedade privada, mas o dístico também se aplica, no longo prazo, ao socialismo brando, conhecido como social-democracia, já que a terceira via, em poucas décadas, sempre tende a desaparecer, dando lugar ao totalitarismo, com intervencionismo gerando mais intervencionismo em bola de neve.
O sistema que o caricato ditador Maduro está tentando impor a todos os venezuelanos mata, elimina, extermina, chacina, fuzila, trucida, massacra e dizima os direitos fundamentais à vida, à liberdade e à propriedade e, portanto, trata-se, sem meias palavras e por sua própria natureza, de um regime inelutavelmente assassino.
Ao exterminar a essência das atividades econômicas, é um produtor permanente de pobreza, a mesma pobreza que seus defensores pensam que estão a combater. Na obra Socialismo, de 1922, Ludwig von Mises já mostrava que nas economias planificadas é impossível haver cálculo econômico, com base no argumento de que para existir cálculo econômico é preciso que existam preços; para que estes existam, é necessário que existam mercados; estes, por sua vez, pressupõem a propriedade privada dos meios de produção e, como o socialismo suprime esta última, pode-se concluir que é um sistema que se guia às cegas. O discurso dos socialistas-comunistas é o da distribuição da riqueza, mas a prática nos mostra sobejamente que é um exterminador de qualquer riqueza e um distribuidor de escassez e pobreza. Se olharmos para todos os experimentos socialistas de engenharia social, não encontraremos um que seja que tenha logrado obter êxito.
Não me venham falar da China, pois aquele país só conseguiu desenvolver a economia depois que jogou no lixo as idéias de Mao Tse Tung e abriu-se ao comércio internacional, mas, como manteve o planejamento central, sua economia já começa a apresentar sintomas de que será difícil manter as taxas de crescimento elevadas. A esse respeito, recomendo o artigo de Per Bylund, “China: uma aberração econômica keynesiana e mercantilista”publicado no site do Instituto Mises Brasil em 2/8/2017 (link: http://mises.org.br/Article.aspx?id=2736).
Ele chacina milhões de pessoas, desde os tempos da Revolução de 1917 na Rússia aos assassinatos na Venezuela atual.
Quem não conhece (apesar do esforço gigantesco da maioria dos professores de história em escondê-lo) o “Holodomor”, ocorrido na Ucrânia em 1932-1933, um dos maiores crimes cometidos em toda a história da civilização (ver o excepcional artigo de Thomas Woods, “A fome na Ucrânia - um dos maiores crimes do estado foi esquecido”, em: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1046).
Ou a ditadura de Mao na China, que trucidou 5 milhões de pessoas em 1949-1950 e, no Grande Salto para a Frente, entre 1959 e 1961, mais de 70 milhões de seres humanos (ver, por exemplo, a resenha de Paulo Roberto de Almeida ao livro de Jung Chang e Jon Halliday “A História Desconhecida - Mao", em: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2014/01/china-ditadura-de-mao-causou-70 milhoes.html).
Ou a morte de 2 milhões de cambojanos, ou seja, de um em cada três da população total daquele país, perpetrada em 1972, durante o Khmer Vermelho, pelo tirano Pol Pot, insuflado por seu guru Jean-Paul Sartre, que preferiu permanecer nos cafés de Paris bebendo vinho “nacional” a ir viver nos campos agrícolas do Camboja, que foi o destino por ele sugerido a Pot para a população. Há inúmeros outros exemplos.
A ilha dos irmãos Castro eliminou algo perto de 136 mil pessoas que ousaram discordar de suas ideias, embora o “comandante” Fidel, como a imprensa brasileira carinhosamente tratava o facínora, jurasse que apenas 5 pessoas morreram na revolução de 1959.
Quantos milhões de pessoas o gordinho Kim Jong-Um mandou assassinar na Coreia do Norte, além do próprio irmão e de um general que ousou dormir durante um discurso do “grande líder”? E quantos também perderam suas vidas na antiga Alemanha Oriental, no Vietnam do Norte e em vários países africanos?
O socialismo é um desastre econômico, moral e social completo, a morte anunciada. E o intervencionismo – definido como uma forma mais branda de socialismo, ou como social-democracia – também leva a resultados trágicos no longo prazo. Convém examinarmos essas afirmativas com atenção, primeiro apontando individualmente os principais problemas do socialismo.
Para começar, o socialismo é um erro intelectual, pois em um sistema socialista, existe um órgão central, um órgão de planejamento, do qual emanam os comandos ou ordens impostos à vida social, em que se incluem, evidentemente, as ações no campo da economia. A atuação desse órgão é essencialmente coercitiva e se sobrepõe, em nome do coletivismo, aos planos individuais de ação e às aspirações de cada cidadão. Não importam os desejos de João, Maria, José ou de quem quer que seja, mas sim as necessidades coletivas, ente tão abstrato quanto atraente para fins populistas e totalitários, com aura de inatacáveis para jornalistas mal informados.
É evidente que um sistema de organização social e econômica fundamentado dessa forma é um enorme erro intelectual, pelo simples fato de que é impossível que o órgão central, ao qual cabe tomar a maioria das decisões, sobrepondo-as às decisões individuais, possa dispor de um conjunto de informações ou conhecimento suficiente para que os seus comandos tenham efeitos coordenadores sobre o sistema social.
Cada agente possui um conjunto de informações individual de natureza prática e não passível de articulação, que está sempre disperso e se apresenta oculto. Sendo assim, não é logicamente aceitável a suposição de que esse conjunto, bem como os dos milhões de outros indivíduos, possa ser transmitido para o órgão central. Isso ocorre tanto porque o volume de informações é muito grande, como, principalmente, porque está disperso na mente dos habitantes da sociedade, sendo, portanto, impossível expressá-lo formalmente e transmiti-lo explicitamente ao órgão de controle.
Os órgãos centrais nesses sistemas são formados por seres humanos como outros quaisquer, sejam eles ditadores, caudilhos, sindicalistas, militares, civis, intelectuais ou políticos eleitos pelo povo e, sendo assim, não é razoável esperarmos, por melhores e mais “puras” que possam ser as intenções de seus integrantes, que possuam o dom da onisciência, que lhes permita absorver, saber e interpretar ao mesmo tempo todos os conjuntos de informações que se encontram dispersos, de forma individual, nas mentes de todos os agentes existentes na sociedade, conjuntos esses que estão permanentemente se alterando e renovando ao longo do tempo. E observemos que isto é verdade mesmo na presença do extraordinário desenvolvimento da informática, porque esses instrumentos tendem a aumentar fortemente a capacidade dos agentes individuais de descobrir novas informações práticas, dispersas e ocultas, prejudicando ainda mais a capacidade de obter as informações necessárias por parte do órgão planejador.
Na verdade, os planejadores nem mesmo conseguem saber qual o seu o grau de ignorância a respeito das informações necessárias para promover a coordenação. E existe aí um paradoxo insolúvel, o de que quanto maior o grau de coerção por eles imposto, menores são as possibilidades de atingir os seus propósitos, por mais bem intencionados até que possam ser, porque, nesses casos, a ausência de coordenação aumenta, gerando distorções e desajustes nos mercados, que crescem progressivamente com o tempo.
Há, contudo, muitos outros defeitos do intervencionismo inerente ao socialismo. De fato, a atitude arrogante da pretensão do conhecimento que caracteriza todos os sistemas intervencionistas, desde o socialismo radical até as suas formas mais brandas como a social democracia e que leva ao que Hayek denominava de construtivismo e engenharia social, a par de constituir-se em grave erro intelectual, produz uma série de problemas que, inevitavelmente, determinam seu fracasso. Listaremos em seguida alguns desses defeitos dessa concepção coletivista da sociedade.
O primeiro deles é a impossibilidade desses sistemas de promoverem a coordenação e da consequente desorganização da sociedade que isso produz, levando a que muitos dos agentes sejam levados a atuar de maneira contraditória, o que se traduz em uma indisciplina comportamental generalizada, com a ocorrência de erros que não são vistos como tal, exatamente pela inexistência de coordenação. O resultado é uma frustração também generalizada dos planos individuais. Essa situação costuma servir como pretexto aos planejadores para intensificarem as intervenções na vida social e econômica, o que, evidentemente, só faz com que o problema se agrave.
O segundo é a inibição no processo de criação de conhecimento, provocada pelo desincentivo à geração de informações e à descoberta sobre os desejos efetivos dos consumidores, que se reflete na baixa qualidade dos bens e serviços produzidos pelo sistema econômico e na escassez. Na verdade, muitas vezes esse estado de escassez nem pode ser percebido, porque sua percepção precisaria ser sentida pela ação empresarial, mas esta ou é impedida de existir ou é fortemente influenciada pelo excesso de regras com o caráter de comandos que emanam do órgão central.
Terceiro, os sistemas intervencionistas são um convite à realização de maus investimentos e ao desemprego de fatores de produção, porque introduzem artificialmente no horizonte uma nuvem imensa de falta de informações e de distorções, que prejudica irremediavelmente a visão dentro dos mercados. Com efeito, o desemprego é um dos efeitos mais típicos da coerção institucional que impede o livre desempenho da ação humana e, portanto, da função empresarial. O “remédio” adotado historicamente pelos governos socialistas é o de mascarar ou, simplesmente, esconder as estatísticas sobre o emprego.
Um quarto efeito perverso do intervencionismo é que ele tende a produzir mais corrupção do que os sistemas em que as liberdades individuais prevalecem e esse vício se manifesta tanto por parte dos que ocupam o poder quanto pelo lado dos demais agentes, por uma razão muito simples: sistemas centralizados tendem a concentrar o poder e a criar uma série de dificuldades para as ações empresariais, o que, em razão das fraquezas humanas, estimula a venda de facilidades.
Quando os potenciais empreendedores percebem que será mais fácil alcançar os seus fins se dedicarem o seu tempo a tentar influir nas decisões governamentais, acabam abandonando ou colocando em segundo plano exatamente a essência de sua função social, que é a de descobrir oportunidades de lucros por meio dos mercados e coordenar assim as atividades econômicas. Isto corrompe o processo social espontâneo, substituindo-o por um nefando processo de luta pelo poder. Os agentes que não conseguem êxito em sua tentativa de influenciar as decisões dos planejadores, por sua vez, são tentados a despender uma parcela maior de sua atividade empresarial e de sua criatividade para tentar evitar os efeitos prejudiciais a eles impostos pelos comandos, em troca da concessão de vantagens, privilégios, propinas e outras formas de corrupção para os que têm o controle das normas. O socialismo, portanto, promove desvios da função empresarial.
Em quinto lugar, o intervencionismo tende a estimular reações por parte dos agentes no sentido de desobedecerem aos comandos e ordens exarados pelo órgão central, que se manifestam em ações à margem da legalidade – ou da pretensa legalidade – imposta pelos comandos. Isto significa que ele estimula o surgimento da economia informal, especialmente naqueles setores da economia em que a coerção, sob a forma de regulamentações, é mais forte. Essa reação existe tanto nas sociedades socialistas como naquelas que optam por um sistema mais brando de intervencionismo ou social democracias, com a ressalva de que nestas últimas a corrupção e a economia informal tendem a se desenvolver mais depressa exatamente nos setores em que o intervencionismo estatal é mais forte.
Sexto, por indução simples, percebe-se que o intervencionismo impõe diversos obstáculos à criatividade dos indivíduos e, como esta é um fator importantíssimo para o desenvolvimento da economia e da sociedade, provoca atraso econômico, político, cultural e tecnológico. Ao bloquear a criatividade humana, emperra o avanço em todos os setores da vida social.
Por fim, há outro efeito corrosivo do socialismo e do intervencionismo: trata-se de um sistema que se constitui em verdadeira aberração moral. Perverte os conceitos de lei e de justiça, ao instituir hábitos e concepções viciosos e agride os mais elementares direitos inerentes à pessoa humana, a começar pelas liberdades individuais. Além disso, por ser fundamentado no conceito de “luta de classes”, o socialismo é extremamente desagregador: é característico de seu ethos lançar patrões contra empregados, pobres contra ricos, brancos contra negros, mulheres contra homens, heterosexuais contra homossexuais, porque, para que possa encontrar eco entre as massas de Ortega y Gasset e mergulhar todos na segunda realidade de Voegelin, é preciso desagregar, fomentar o ódio, lançar irmãos contra irmãos, uma vez que, sem esse vício moral, ele simplesmente não pode vicejar.
Mas sua imoralidade vai além. Ao estabelecer a igualdade de resultados, o socialismo desestimula a ética do trabalho, por razões óbvias: se João, trabalhador, dedicado, bem preparado e com espírito de iniciativa, sabe de antemão que vai ganhar o mesmo que Inácio, preguiçoso, desleixado, sem estudo e que prefere viver à custa dos outros, é evidente que João não se sentirá estimulado a colocar em prática as suas habilidades, limitando-se a fazer o essencial, que lhe garantirá a renda estipulada pelo estado.
Por tudo isso, temos o dever humanitário de nos unirmos a nossos irmãos venezuelanos em sua luta pela derrocada desse regime homicida.
*Doutor em Economia