• Maria Lucia Victor Barbosa
  • 12/04/2020
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REMINISCÊNCIAS PASCOAIS

Nessa Páscoa, lembranças fugidias me perpassam na mente como brisas trazidas do passado. Ressurgem em cores esmaecidas a grande mesa posta para o almoço familiar, a tolha branca impecavelmente engomada, o círio pascal ao centro, os pequenos ovos de chocolate disposto em delicados arranjos perto de cada prato. Tudo aquilo formava um espetáculo ao mesmo tempo alegre e grandioso para adultos e crianças, que comemoravam o simbolismo da vitória da vida sobre a morte contido na ressurreição de Cristo.

Não é possível relembrar exatamente o que diziam os convidados, mas o burburinho festivo, o ressoar dos risos, as lembranças que se perdem em tons pastéis como num quadro antigo, sem dúvida foram responsáveis pela construção de um dos redutos mais importantes de minha infância.

Agora surgem na memória, como eco das tradições mineiras em que fui confeccionada a época do colégio Sion de Campanha passada no internato. Naquele interlúdio de minha vida tudo estava em seus lugares disciplinadamente. O futuro era sonhado no recreio enquanto se falava sobre o que cada uma de nós queria ser mais tarde: médica, advogada, bailarina, mãe de família com uma penca de filhos. Ninguém abria mão de se casar com um príncipe encantado e havia a crença generalizada de que podíamos controlar nosso destino.

Na Páscoa, quando a maioria das alunas passava o feriado em casa, eu que era de Belo Horizonte ficava quase só entre as imensidões daqueles corredores e salas vazias. Nem por isso era menos feliz do que as colegas que haviam partido. Ficava com minha grande caixa de ovos de chocolate que sempre chegava pontualmente, com as leituras piedosas que as freiras me indicavam e, especialmente, com minhas reflexões. Foi naqueles confins mineiros que uma semente de compreensão acabou por germinar num pensamento que me acompanhou pela vida afora: sou uma passageira da eternidade em busca de Luz.

Essas enevoadas recordações que emergem de meu remoto ontem misturam-se também às cores dos doces típicos da quaresma: doce de abóbora, doce de batata roxa, doce de cidra. Ecoam ao longe cânticos de procissões e retorna o espanto infantil diante da imagem de Jesus crucificado. Ao mesmo tempo, como era deliciosa a alegria da descoberta dos ovos de páscoa espalhados pelo jardim.

Comparando aqueles tempos com os de hoje posso concluir que sob os pores-do-sol de minha Belo Horizonte os contornos do viver eram mais bem definidos em tradições que hoje se perdem em feriados eminentemente comerciais. Mesmo assim, Pessach ou passagem (para os judeus) ressurreição ou Páscoa (para os cristãos), são comemorações que sempre deixarão subjacentes no coração do humano o desejo de superação do finito, a vontade de renascer de algum modo, a esperança de renovação. Feliz Páscoa para todos.

* Maria Lucia Victor Barbosa é escritora.