• Harley Wanzeller, magistrado
  • 29/09/2018
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QUINTO CONSTITUCIONAL X CONCURSO PÚBLICO

 

A relação proposta encerra um debate imprescindível para que a democracia seja estabelecida, e as instituições possam cumprir a contento com suas finalidades.

Mas seria este o fim do problema, ou apenas uma faceta dele?

Diria que a proposição de extinção do acesso ao Judiciário pelo "quinto constitucional" é apenas o início de uma discussão mais ampla.

Devemos ter em foco que esta forma de acesso à função judicante é um exemplo a ser repelido. E aqui já adianto minha opinião.

Porém, e de igual forma, devemos fortalecer o debate estendendo o questionamento desta forma de acesso em cotejo com todas as áreas do serviço público.

Quero dizer, com isso, que os argumentos sólidos para afastar o "quinto constitucional" são irretocáveis e estão expostos na própria Constituição, pois a Carta, ao instituir o concurso público como regra geral de acesso às carreiras públicas, demonstra na própria gênese normativa a evidente discrepância das exceções, casuística e clinicamente selecionadas, a ponto de expor uma evidente contradição sistêmica.

Ou seja: regra geral - concurso público, baseado nos princípios constitucionais administrativos. Exceções - explicações das mais variadas (como o mantra da oxigenação) tentam se valer, genericamente, da teoria dos freios e contrapesos para justificar, ao cabo, o desrespeito das diretrizes básicas constitucionais.

E não se enganem: estas discrepâncias invariavelmente perpassam ao serviço prestado. Não ficam somente no viés do acesso.

Assim, baseado nos princípios administrativos consagrados no artigo 37 da CF, não só o acesso ao Judiciário como toda e qualquer forma de ingresso ao serviço público permanente deveria ser viabilizada a partir do acesso universal garantido por um certame pautado na imparcialidade, na impessoalidade, na moralidade e na eficiência.

Bem ou mal, o único meio de nos aproximarmos do cumprimento pleno destes princípios é o concurso público.

Gostem ou não.

Não se pretende com isso questionar a capacidade e competência dos pretensos e atuais integrantes do "quinto".

Ao contrário.

Creio que a aprovação no concurso público só iria expor de forma ampla, pública, objetiva e irrefutável o notório saber jurídico que portam, respaldando sua investidura perante a sociedade.

Teríamos assim um notório saber jurídico como critério objetivo, atestado por meio de provas e títulos (como ocorre com os magistrados de carreira), e não como critério subjetivo e político atestado pela declaração de verossimilhança por parte daqueles que, por lei, podem fazê-lo.

Portanto, a submissão ao concurso é um ato de comprometimento com o trato da coisa pública.
É, sobretudo, ato de dedicação extrema ao ideal que se busca.

Mostra que os candidatos pretendem dedicar uma vida inteira às carreiras que almejam, ressaltando que tal dedicação é iniciada à base de uma plena e romântica incerteza, quando dedicam horas de seus dias na preparação para um concurso que nem mesmo sabem se lhes renderá frutos.

E a saga dos heróis continua.

Quando bem-sucedidos, passam a provar das agruras e desafios próprios da carreira eleita, sendo tais experiências capazes de potencializar o melhor de cada agente público.

A carreira forja os magistrados.

Os constrói.

E este processo de construção/formação não deve ser subtraído dos agentes públicos, sob pena de ser-lhes subtraída em igual medida a sensibilidade e a capacidade que somente a experiência plena da carreira pode proporcionar.

Lembremos: toda e qualquer escada é constituída de degraus. E para se chegar ao ponto mais alto da escada, cada degrau deve ser vencido.

Suprimidos os degraus, teremos espaços vazios, pisaremos em falso e, ao fim, não atingiremos o topo.

Este hiato deve ser corrigido, para o bem da nação e de uma sociedade que clama por extirpar a influência política no Poder Judiciário.