• Antônio Augusto Mayer dos Santos
  • 22/02/2021
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PRISÃO INCONSTITUCIONAL E INSEGURANÇA JURÍDICA

Antônio Augusto Mayer dos Santos

 

            O Deputado Federal Daniel Silveira está preso. Seu encarceramento resultou de um despacho de oito laudas subscrito pelo ministro Alexandre de Moraes capitulando-o em nove dispositivos da Lei nº 7.170/83. Entretanto, aludida prisão em decorrência de ofensas à Lei de Segurança Nacional estampa gritante inconstitucionalidade. De rigor, a mesma não poderia ter sido formalizada. Por vários motivos.

            O primeiro e mais substancial é que o deputado está amparado pela imunidade parlamentar que é conferida aos detentores de mandato eletivo. Neste sentido, dentre os dispositivos da Constituição Federal está o seu artigo 53, o qual, redigido em excelente vernáculo, assegura o seguinte: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Repita-se: civil e penalmente.

            O segundo fundamento é de índole processual: a prisão não decorreu de um pedido formulado pelo Procurador Geral da República. Aliás, a denúncia da PGR ocorreu somente após aquela. O terceiro é que não há se falar em impunidade na medida em que a mesma Constituição Federal prevê a possibilidade de cassação por quebra de decoro. Isso ocorrendo, o acusado, além da perda da cadeira, fica inelegível por oito anos mais o período remanescente do seu mandato. Ou seja, as penalidades são drásticas. Contudo, além de tais pressupostos, existe uma circunstância adicional explicitando a ilegalidade perpetrada pelo Supremo Tribunal Federal: a incoerência da decisão.

            Neste sentido, expressiva compreensão em torno do alcance da imunidade parlamentar foi proferida pelo mesmo STF em 1º de março de 2020. Ao emitir o seu entendimento, a ministra Rosa Weber, com clareza e serenidade, acentuou que “a inviolabilidade material, no que diz com o agir do parlamentar fora da Casa Legislativa, exige a existência de nexo de implicação entre as declarações delineadoras dos crimes contra a honra a ele imputados e o exercício do mandato. Estabelecido esse nexo, a imunidade protege o parlamentar por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos (artigo 53, caput, da CF), e não se restringe às declarações dirigidas apenas a outros Congressistas ou militantes políticos ostensivos, mas a quaisquer pessoas”.

            O julgado imediatamente anterior a este, datado de 14 de dezembro de 2018, traz a mesma concepção. Nele, o STF enfatizou que “O direito fundamental do congressista à inviolabilidade parlamentar impede a responsabilização penal e/ou civil do membro integrante da Câmara dos Deputados ou do Senado da República por suas palavras, opiniões e votos”.

            Outro veredito, da relatoria do ministro Roberto Barroso lavrado na sessão do dia 6 de março de 2018, assim realçou: “a imunidade parlamentar quanto a palavras e opiniões emitidas fora do espaço do Congresso Nacional pressupõe a presença de nexo causal entre a suposta ofensa e a atividade parlamentar”. Naquela mesma data, o STF ainda esclareceu que esta garantia “abrange as manifestações realizadas fora do Congresso Nacional, inclusive quando realizadas por meio de mídia social”.

            Nesta seara, o STF assinalou uma diretriz admitindo que mesmo as palavras mais ríspidas ou de baixo calão estão alojadas pela imunidade atribuída aos congressistas, consoante enfatizado pela ministra Carmen Lúcia em 09/02/2010 ao decidir o Recurso Extraordinário nº 430.836.

            Assim, se por um determinado ângulo as expressões utilizadas pelo segregado não correspondem àquelas mais recomendadas a um congressista, a outro, conforme deflui da jurisprudência do temido (e desprezado) STF, isso não invalida o seu direito de expressão enquanto representante eleito vez que a imunidade constitucional absorve a conduta penal. De outra parte, se o tom do vídeo foi duro e mesmo pesado, também não se revela minimamente condizente a um integrante do órgão de cúpula do Poder Judiciário votar em plenário utilizando, por exemplo, adjetivos como “gentalha” e “cretinos” para se referir a procuradores federais.

            A par de inconstitucional e consubstanciando um peso e duas medidas no tratamento das garantias parlamentares por parte do “Guardião da Constituição”, a prisão viola inúmeros dispositivos legais, ostenta incoerência jurisprudencial, submissão da Câmara dos Deputados e o pior: fomenta insegurança jurídica.        

*    Antônio Augusto Mayer dos Santos - Advogado, professor de Direito Eleitoral e colunista da Revista VOTO.