• Sergio Lewin
  • 21/10/2019
  • Compartilhe:

PRISÃO APÓS CONDENAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA



A Constituição brasileira diz que ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal. Ela não diz que não poderá haver prisão antes do transito em julgado. Mas como alguém pode ser preso antes de ser considerado culpado? Ocorre que já há um juízo, haurido após duas instâncias e materializado em acórdão, prolatado por juízo colegiado de desembargadores, de que o réu é culpado, apenas ainda não se trata de uma condenação definitiva. Não se nega ao réu o direito de recorrer (recurso aliás limitado às questões de direito, pois as questões fáticas sequer podem ser analisadas em terceiro grau) apenas que a presunção de inocência não mais lhe socorre.

Sabem a dificuldade que é flagrar ou esclarecer um crime, conduzir um inquérito policial, fazer a denúncia penal, instruir o processo, condenar em primeiro e depois em segundo grau? Isso tudo com o respeito ao princípio da ampla defesa e com observância de todas as formalidades do processo penal, sem incorrer em qualquer nulidade e nem deixar que a prescrição fulmine o processo? E ainda ao final disso tudo poder localizar o réu e conduzi-lo à prisão?

O que alguns “juristas” querem é que a prisão para ser válida tenha de ser determinada não por um ministro, mas quem sabe pelo pleno do STF, tornando-a absolutamente impossível. Gostaria que me dissessem um único país no mundo em que isso acontece. Somos uma população de 200 milhões de pessoas para 11 ministros.

E mais: com o atual congestionamento do sistema recursal brasileiro, só consegue fazer subir o recurso extraordinário o réu que contar com exímio advogado processualista. Resulta que a prisão somente após o aval do STF beneficiará especialmente os crimes do colarinho branco. Réus estes que foram já muito bem defendidos nos dois graus de jurisdição anteriores. Então não venham defender a mudança da jurisprudência em nome dos mais humildes, pois não é no interesse destes que a mudança está sendo urdida. E como após subir o recurso o réu só poderá ser preso após ter seu pleito julgado e improvido, basta ao mesmo exímio advogado obrar não para que o STF julgue e absolva o seu cliente, mas simplesmente para que jamais o julgue. Assim, mesmo sem ser definitivamente julgado, ele jamais poderá ser definitivamente considerado culpado.

Pela procrastinação que se via no STF quando a prisão só podia ocorrer após o transito em julgado, o maior empenho dos nobres penalistas não era de que seus clientes fossem celeremente julgados e absolvidos para retomarem a honra e reputação ilibada perante a sociedade, mas pelo contrário, para que nunca fossem julgados. O direito ao processo justo se converte assim em direito ao processo infindo e interminável. Culminando na impossibilidade total de funcionamento da justiça penal.

O tão propalado medo de uma prisão temporária injusta não pode ser pretexto para emascular, tornar impotente e inoperante todo o sistema penal do país. A propósito, condicionar a aplicação da lei à certeza de um julgamento perfeito e imune a erros é pretender que a justiça, criada e operada por homens, se iguale à justiça divina. Somente um néscio ou mal intencionado pode colocar as coisas nestes termos.

A propósito, alguém aqui pode me explicar qual o critério da Corte Excelsa para pautar ou deixar de pautar determinado julgamento? Sinceramente pergunto porque não sei mesmo, se alguém souber me informe.

Muito mais lógico do que deixar solto alguém que ja foi condenado após o duplo grau de jurisdição é fazer o STF julgar com prioridade os eventuais recursos dos condenados que se encontram presos. Mas no mundo jurídico brasileiro o que vale mesmo é o amor à retórica e aos princípios ginasianos da ampla defesa e ao amplo contraditório, a lógica nunca gozou de grande prestígio entre nós.

Alguns falsos puristas dizem: que se mude a Constituição, o que não se pode é atropelá-la. Argumento falacioso: não é preciso nenhuma mudança, basta interpretá-la corretamente, como o STF faz tão bem sempre que lhe interessa.

Por fim: se a condenação de um Tribunal estadual ou de um Tribunal regional federal padece de validade e legitimidade, então o sistema judicial inteiro não vale nada e não será a decisão de 11 sábios plenipotenciários que terá o condão de redimir todo o sistema.
O retorno da prisão somente após o transito em julgado da condenação penal fará o Brasil ser benchmark mundial em impunidade, tornando-o atrativo para todo o tipo de bandoleiro e fora da lei medianamente instruído e informado mundo afora.

O que surpreende é como setores supostamente tão alinhados ao combate da impunidade podem agora, por puro casuísmo, se bandearem para o outro lado da força, sem nem ao menos se enrubescerem, demonstrando explicitamente sua venalidade.

No Brasil os debates ocorrem de maneira torta. Na verdade não há debate algum. Apenas a utilização de falsa dialética e hermenêutica jurídica pseudamente complexa para justificar mais uma grande manipulação e presepada.