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  • 08/02/2022
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POR QUE A MAIOR PARTE DAS PESSOAS É COVARDE?

 

Academy of Ideas

(Tradução e adaptação de Aramis de Barros)

 

Falando sobre obediência e o despertar do autoritarismo, o psicólogo americano Rollo May, escreveu em 1953 (Man's Search for Himself):

"O autoritarismo, seja na religião, na ciência e na política, tem se tornado crescentemente aceito não porque a maior parte das pessoas creem nele abertamente, mas porque elas se sentem individualmente ansiosas e enfraquecidas. Assim, o que mais podem fazer... senão seguir o líder político das massas ... ou a autoridade nos costumes, na opinião pública e nas expectativas sociais?"

A existência de políticos psicologicamente perturbados e sedentos de poder que anseiam por controle total não é o que torna a nossa situação hoje em dia particularmente precária, pois tais indivíduos sempre existiram na história. Antes, nossos problemas repousam sobre o fato de que muito poucas pessoas demonstram a virtude que pode mudar o jogo na direção da liberdade: a virtude da coragem.

Soljenitzen alertou (A World Split Apart), em 1978:

"No Ocidente, o declínio da coragem talvez seja o aspecto mais surpreendente que o observador de fora nota nestes dias... Pode-se ressaltar que, desde os tempos antigos, o declínio da coragem é considerado o [elemento que denota o] começo do fim..."

A “hiperconformidade” e a obediência cega infectaram o Ocidente e, neste processo, eliminaram a cultura da coragem. A covardia disseminada em larga escala está permitindo a ascensão do autoritarismo. O renascimento da coragem é o antídoto para a nossa difícil situação política.

A conformidade social patológica que afeta o Ocidente vem de muitas gerações e é o resultado de uma confluência de fatores. É motivada por um sistema de valores no qual a validação social exerce uma posição de proeminência, e é impulsionada pelo uso das mídias sociais e pelo fato de que o sucesso nessas plataformas é obtido pela sinalização de virtudes e pela conformidade ao sabor moral do momento. É também o produto de um sistema educacional que deifica o ideal democrático e promove os direitos da coletividade em detrimento dos direitos individuais.

Estes fatores, associados a outros, produziram uma sociedade "hiperconformista". Rollo May explica (Man's Search for Himself):

"O oposto da coragem ... particularmente em nossa geração, é a conformidade autômata".

Um dos modos pelos quais o homem ocidental manifesta a conformidade é por meio da obediência cega e da necessidade patológica de seguir fielmente as regras [estatais]. Muitas pessoas creem que ser um bom cidadão significa ser alguém conformado às regras e obediente àqueles em posição de poder e aos lacaios da grande mídia e do showbiz.

Ao agir em obediência cega, o “hiperconformista” falha em fazer a devida distinção entre moralidade e legalidade, permanecendo assim voluntariamente ignorante ao fato de que as regras de Estado podem eventualmente ser imorais e movidas pela corrupção, preparando, assim, o caminho para a ruína do indivíduo e da sociedade.

Rollo explica:

"Nosso problema particular nesses dias ... é a esmagadora tendência à conformidade ... nos tempos atuais, a ética tende a ser cada vez mais confundida com a obediência. O indivíduo é considerado "bom" na medida em que obedece aos ditames sociais ... ou seja, quanto mais cegamente ele obedece, melhor ele é... Mas, o que realmente há de ético na obediência? Se o objetivo de alguém é apenas obedecer, poder-se-ia treinar um cão para cumprir perfeitamente as exigências..."

Ver pessoas que exercem juízo independente, responsabilidade própria e autodependência, perturba a crença do “hiperconformista” no valor da obediência cega, ameaçando assim o seu próprio senso moral.

Não é o caso do hiperconformista obedecer cegamente [aos ditames estatais] enquanto permite que os outros exerçam a sua liberdade de escolha. Ao contrário, como explica Stanley Feldman (Enforcing Social Conformity: A Theory of Authoritarianism):

"... aqueles que valorizam a conformidade social ... [geralmente] apoiam o Estado quando este deseja aumentar o controle sobre o comportamento social e punir a não conformidade ... valorizar a conformidade social aumenta a motivação por restrições de comportamento ... o desejo por liberdade social torna-se, então, subserviente à imposição de normas e regras sociais. Destarte, grupos tornar-se-ão alvo de repressão posto que desafiam a conformidade social".

Quando a maioria advoga pela imposição estatal de uma conformidade social, a sociedade se coloca numa posição que o psicólogo Ervin Staub chama de "Continuum de Destruição". Quando o Estado usa de força e coerção para punir a minoria não conformista, a maioria [hiperconformista] justifica seu apoio às tais medidas autoritárias por meio da demonização dos não conformistas, levando assim à medidas governamentais ainda mais severas.

Ervin Staub (Psychology of Good and Evil) explica:

"Uma consequência psicológica do dano [causado aos outros] é a depreciação das vítimas ... as pessoas tendem a presumir que as vítimas mereceram o sofrimento que tiveram, seja por suas ações ou por seu caráter."

Em vários países ao longo do séc XX, tais como União Soviética, Turquia, Alemanha, Camboja e China, as medidas [autoritárias] de Estado, tais como o banimento de grupos minoritários de restaurantes, bares, cafés e outros espaços públicos, imposição de toques de recolher, perda do emprego, imposição de multas e restrição da liberdade de movimento e reunião, funcionaram como os primeiros passos do "continuum de destruição" que terminou na criação de bodes expiatórios, encarceramento em larga escala e extermínio de massa.

Staub explica o mecanismo psicológico que produz o "Continuum de Destruição" (Psychology of Good and Evil):

"Como o comportamento destrutivo torna-se norma [moral e social]? Causar dano a uma boa pessoa ou testemunhar tal coisa passivamente é inconsistente com a consciência de uma responsabilidade [moral] pelo bem-estar dos outros e a crença em um mundo justo. Essa inconsistência nos incomoda. Minimizamos tal incômodo reduzindo a nossa preocupação com o bem-estar dos outros que danamos ou daqueles que permitimos que sofram. Nós os desvalorizamos de modo a justificar seus sofrimentos em função de sua [suposta] natureza maligna ou por [nossos supostos] ideais excelsos. A mudança no olhar sobre as vítimas muda a atitude para com o seu sofrimento..."

Para contrapor o "continuum de destruição" que é fruto de muita conformação e força estatal, mais pessoas precisam agir com coragem moral. Coragem moral implica o desejo de enfrentar riscos por desafiar ordens imorais, rejeitar o controle de um Estado controlador e posicionar-se contra o desaparecimento de valores ligados à verdade, liberdade e a justiça.

Rushworth Kidder explica (Moral Courage):

"Onde não há perigo, não há coragem... Qualquer um pode ‘suportar’ a segurança e o bem-estar. Os verdadeiros desafios... aparecem diante do perigo... Assim, é com coragem moral que o perigo é enfrentado por amor a uma entrega total à consciência, aos princípios e aos valores fundamentais."

Alguns atos de coragem moral são acompanhados de riscos mínimos, tais como, ser ridicularizado, insultado ou ostracizado. Rollo explica (Ibdem):

"O marco da coragem em nossa era de conformidade é a capacidade de posicionar em prol de suas convicções".

Eventualmente, os atos de coragem moral são acompanhados de riscos mais graves, incluindo a perda de emprego, penalidades físicas ou financeiras, encarceramento e, em alguns casos, até mesmo a morte.

Rushworth Kidder [A1] afirma:

"Dentre todos os dilemas agonizantes que a humanidade enfrenta, poucos são mais dolorosos que a escolha entre o que é certo para o mundo e o que é certo para você e sua família".

Carl Jung chama aqueles que enfrentam grandes perigos para desafiar a tirania de "os verdadeiros líderes da humanidade".

É necessário entender que, quando alguém não se posiciona em favor da liberdade de outros, não pode esperar que os outros se posicionem pela sua própria. E, quando ninguém faz nada a esse respeito, todos estão condenados [à perda de suas liberdades].

A não ser que mais pessoas reúnam coragem moral para renunciar à conformidade em favor da luta pela liberdade, pelo que é certo e, em último caso, para dar a sua parcela de contribuição ao combate contra a tirania, a sociedade Ocidental continuará rumando em direção àquilo que Ayn Rand chamou de "O Estágio da Inversão Final".

Rand avisa (Capitalism: The Unknown Ideal):

"Estamos nos aproximando rapidamente do estágio de inversão final, o estágio no qual o Estado estará livre para fazer o que bem entender e no qual os cidadãos só poderão agir por meio da concessão [estatal]; este é o estágio dos períodos mais sombrios da história humana, o estágio do governo pela força bruta."

 

 [A1]