Há poucos meses a imprensa trouxe o caso da mulher que furtara um desodorante ou coisa similar. Sendo ela pobre, protegida por defensor público, recorreu da sentença e foi-lhe confirmada a condenação. Apesar de mãe com filha menor de dez anos. A juíza declarou ser obrigada a obedecer à lei. Justiça severa.
Há dois anos o Brasil escandalizou-se ao saber que o senhor Lula, ao deixar a Presidência da República, surrupiou do patrimônio do palácio presidencial, entre várias relíquias, um faqueiro de ouro, presente de um país árabe ao presidente Costa e Silva. Não satisfeito, o citado cidadão recolheu a um sítio de um “amigo” em Atibaia, toda a adega presidencial de mais de mil exemplares de raríssimas safras, avaliada em mais de milhão. E esse indivíduo que desonrou o cargo presidencial por furto, contratou advogados a peso de ouro para manter-se a salvo de condenação em segunda instância. E vem debochando da lei cercado de furiosos acaudilhados.
Àquela mãe pobre não apareceu a socorrê-la a OAB, Direitos Humanos, a banca advocatícia de Zanin, Sepúlveda Pertence, e Kakai; os distintos magistrados Lewandowski, Gilmar Mendes, Dias Tóffoli, Marco Aurélio Mello. Profissionais de polpudas remunerações e juízes da altíssima corte, tão alta que de sua altitude desaparece a ralé miúda distanciada em suas miudezas insignificantes de vida.
A diferença aberrante de tratamento judicial nos dois casos clama aos céus e ao bom senso. E diz com nitidez artística ao portal do Palácio da Justiça, sua deusa esculpida por Bruno Giorgi, vendada, preguiçosa no assento e espada horizontal nas coxas. Seria visão irônica do artista? Sua arte contraria a clássica efígie grega, ereta, a balança na mão esquerda sugerindo sublime a ponderação preliminar do Juízo; na direita a espada vertical, ameaçadora e inflexível na condenação. Em nossa justiça, à mãe que furtou dois reais , o peso inapelável da condenação; ao criminoso que teve o seqüestro judicial de 40 milhões em bens, para garantir o desfalque ao erário público, mais embargos dos embargos. Trágico país.
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