• Bruno Rigamonti Gomes
  • 13/09/2022
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O que se vê e o que não se vê

 

Bruno Rigamonti Gomes

Uma teoria popular conhecida como efeito borboleta postula a ideia de que o simples bater de asas de uma borboleta poderia influenciar o curso natural das coisas e, eventualmente, provocar um tufão do outro lado do mundo. Pode-se inferir, a partir desta teoria, que uma determinada ação possui efeitos de primeira ordem, que decorrem diretamente do nexo causal entre eles e, por conseguinte, que os efeitos tornam-se ações para consequências futuras de incontáveis ordens. Em resumo, ao tomar uma determinada ação, como resultado, existe o que se vê (manifesta-se imediatamente) e o que não se vê (desdobra-se em sucessão).

O autor Frédéric Bastiat discorre sobre as relações entre causas e efeitos no campo da economia de modo claro e objetivo à medida em que exemplifica, em diversos setores, como atos ditos benéficos para a sociedade, via de regra tomados por força de lei, possuem danos inimagináveis a médio e longo prazos. A incapacidade do ser humano de prever os possíveis cenários futuros faz com que se privilegie os impactos imediatos de suas atitudes, apenas o que é visível, sendo que os que são invisíveis à primeira vista podem ser devastadores no porvir.

A primeira demonstração feita por Bastiat nesta obra está no capítulo “a janela quebrada”. Imagine que o filho de um indivíduo, ao chutar uma bola, quebre a janela de vidro do vizinho. Certamente o pai não ficará muito feliz em ter que ressarcir o morador ao lado. Entretanto, neste contexto, pode surgir o seguinte levantamento: “há males que vêm para o bem. Todos vão viver e o que seria dos vidraceiros se painéis de vidros nunca fossem quebrados?”.

O questionamento acima é apenas um indício de algo muito profundo enraizado em nossa sociedade há alguns séculos: quebrar janelas, metaforicamente, seria uma forma de fazer circular dinheiro, e que o incentivo da indústria em geral será o resultado disso, logo, algo bom para todos.

Ocorre que, se pararmos nossa análise restritivamente ao que é visto, o vidraceiro faria uma nova venda e poderia girar a economia com o valor em questão, todavia, deixaríamos de lado tudo aquilo que não é visto. O dinheiro que o pai gastou para realizar o reparo da casa adjacente não poderá ser gasto em nenhuma outra coisa. Portanto, se ele quisesse comprar um novo par de sapatos ou um livro de sua preferência, agora já não poderia.

Supondo que a janela se quebrou e que a única quantia que o indivíduo possuía fosse apenas o suficiente para comprar um novo vidro, ele ficaria apenas com este objeto. Em um outro cenário com a janela intacta, o indivíduo teria o vidro e poderia gastar com quaisquer outros itens de sua escolha. Assim, podemos inferir que a sociedade perde o valor das coisas que são inutilmente destruídas.

Ao tratar sobre impostos, é interessante observar uma outra falácia comum em discussões sobre “dinheiro público”: o que é existe é o dinheiro do pagador de impostos.

Há quem diga que “impostos são o melhor investimento, e que sustenta diversas famílias, sendo, portanto, um fluxo inesgotável, sendo a própria vida”. Todavia, o que não se percebe é que,quando um funcionário público gasta o dinheiro captado pela via de impostos, o contribuinte deixa de gastar esta quantia porque foi impedido de manter em sua posse tal recurso.

Em seu livro intitulado “A Lei”, Bastiat traz um termo que se conecta diretamente com o capítulo em questão: a espoliação legalizada. Isso quer dizer que o cidadão comum que paga impostos, é espoliado legalmente à força, não havendo alternativas a não ser abdicar de parte de sua renda e patrimônio para financiar a máquina estatal. Dizer que isso é importante para manter os gastos que beneficiam o próprio cidadão somente faria sentido caso os serviços que retornassem para o indivíduo custassem exatamente o mesmo que custariam se ele os fosse contratar isoladamente. Entretanto, este cenário só seria favorável se o cidadão decidisse contratar estritamente os mesmos serviços ao qual teve acesso com o dito dinheiro público.

Essas premissas aplicam-se também para obras públicas, tema que o autor explora na sequência. Bastiat afirma, categoricamente, que mais vale a organização proativa de um grupo de indivíduos para construir estradas e edifícios com dinheiro próprio do que serem obrigados a contribuir na construção de pavimentos que ninguém quer passar ou palácios que ninguém irá habitar. O cerne da questão está na liberdade de decisão que cada cidadão deveria ter se, porventura, não fosse obrigado a custear as atividades de setores públicos.

Frédéric Bastiat afirma que “a sociedade é o total dos serviços forçados ou voluntários que os homens realizam uns pelos outros; isto é, de serviços públicos e serviços privados”. Observemos, assim, os desdobramentos dos serviços públicos: atualmente existem, no Brasil,diversos servidores públicos com cargos considerados obsoletos, cujas funções não agregam valor à sociedade e, muito menos, justificam a destinação de recursos auferidos dos contribuintes. Ora, legalmente, por conseguinte, há uma inutilização tamanha de riqueza que poderia ser empregada no setor privado com maior eficiência, o que geraria prosperidade para a sociedade. Desse modo, é possível dizer que essa transferência de recursos não é relevante para o bem comum, muito menos movimenta a economia, sendo, simplesmente, um deslocamento de bens para aqueles que não os produziram.

Em uma sociedade ideal, privilegia-se o livre mercado, a autonomia dos geradores de bens e serviços em decidirem a melhor alocação de seus lucros e a garantia da melhora do padrão médio de vida como resultado dessa abordagem de mercado. Aqueles que interagem em uma cadeia produtiva, por exemplo, desde o produtor rural, os transportadores, os armazenadores, os manuseadores e os consumidores, todos esses têm em vista o benefício individual, mantendo relações claras sobre os motivos para as realizações de trocas entre si, gerando valor em cada inter-relação dessa rede hipotética.

Similarmente, podemos trazer à tona o que o autor aborda sobre crédito. Quando há interferência do governo nos critérios utilizados para se fornecer crédito às pessoas, deixando de lado as características que garantiriam que a figura do emprestador conseguiria receber de volta os recursos emprestados a algum mutuário para passar a emprestar para pessoas sem histórico positivo, ou que estejam em dificuldades e não ofereçam quaisquer garantias de devolução dos recursos emprestados, há um grande risco de que haja um aumento considerável na inadimplência, fazendo com que haja o encarecimento das taxas para eventuais novas captações de recursos, o que prejudicaria todos os novos empreendimentos que adviriam do acesso a capital mais barato.

Intervir em quem pode ter acesso a capital para privilegiar quem não tem boa reputação é um grande risco de levar todo o sistema financeiro a um colapso, a considerar o que aconteceu com a crise dos subprimes nos EUA no ano de 2008, quando havia muita liquidez nos mercados sem as devidas garantias atreladas.

O que muito se vê, hoje em dia, são visões de curto prazo para medidas tomadas por pessoas que ocupam cargos de poder. O que não se vê são indivíduos com a capacidade de previdência para entender que, aquilo que decorre após as consequências imediatas de ações, muitas vezes criam um problema maior do que o existente inicialmente, gerando mais caos do que soluções definitivas. A obra de Bastiat, ainda que relativamente curta, tem a capacidade de trazer pontos de reflexão que vão muito além do que os olhos pouco treinados conseguem visualizar,sendo, assim, uma luz no fim do túnel para aqueles que enxergam que é possível transformar a realidade em que nos encontramos por meio de atitudes que levem em consideração o longo prazo, ainda que seja necessário ter um curto prazo mais restrito, mas que, por fim, se tenham bons resultados perenes para todos.

*        Bruno Rigamonti Gomes é Associado II do Instituto Líderes do Amanhã. 

**       Reproduzido do site do Instituto Liberal, em https://www.institutoliberal.org.br/blog/o-que-se-ve-e-o-que-nao-se-ve-2/