Só se fala naquilo! O mantra do dia é inovação! Não é por menos, empresas que não se adaptam, passando a moldar o ambiente competitivo a seu favor, que não focam no crescimento e que não inovam em processos, produtos, serviços e experiências, tendem a desaparecer. Que o digam Mesbla, J.H. Santos, Casa Masson, Blockbuster, Kodak e por aí afora.
A noção é trivial: é preciso criar consistentemente um valor superior para o cliente, e manter e lucrar a partir desse valor. Tal valor diferenciado e percebido pelos consumidores é, na realidade, a entrega de uma combinação de benefícios na forma de utilidade funcional, emocional, social e de autorrealização. A configuração de como uma organização resolve melhor, contínua e especificamente os problemas dos consumidores, dá-se por meio de constantes inovações de valor, podendo serem transformacionais e/ou incrementais. Tais inovações é que permitem que empresas gerem mais valor para seus clientes e, por sua vez, alcancem uma maior lucratividade. Que tarefa hercúlea esta! Neste século XXI, apenas 9% das empresas no mundo inteiro conseguiram atingir uma modesta taxa de crescimento lucrativo ao longo de dez anos seguidos! Johnson & Johnson, Procter & Gamble, Walmart, Amazon, Apple, IKEA, entre outras.
Já que a inovação é tão saliente, o que eventualmente poderíamos aprender sobre ela, a partir da filosofia política do conservador inglês Edmund Burke, figura proeminente no cenário político e social europeu no século XVIII? Muito! Burke, distintamente daquilo que o senso comum caracteriza como conservadorismo, enxergava a mudança como fruto de heranças, tradições e experiências vivenciadas na vida e nas interações sociais entre os indivíduos num determinado contexto. Segundo ele, novas ideias e inovações surgem a partir de melhorias graduais de padrões antigos, conhecidos e testados; aqueles que justamente resistiram ao "teste dos tempos". Burke afirma que, por natureza, os homens são atraídos pela novidade e para a excitação. Sua preocupação central é que somente se os indivíduos ficarem comovidos com a "beleza" do que receberam - pela história e tradição - podem ver suas vantagens e se tornar propriamente céticos e cautelosos sobre sua destruição. (Na vida empresarial real, muitos executivos pensam em o que fazer para inovar; poucos refletem sobre o que não se deve fazer, inovando erroneamente!).
Muitas inovações abruptas e aquelas drásticas rupturas de padrões, verdadeiramente, poderiam produzir resultados até mesmo destruidores de valor, em especial pela usual impudência deste tipo de inovadores - e pela falta de aderência a tais mudanças por parte de pessoas (de carne e osso!) no mundo real, não abstrato.
Bem, habitamos no mesmo "velho novo mundo", em que a única coisa constante é a mudança. Lógico que essa hoje é muito mais rápida e em alguma medida mais intensamente transformacional.
No contexto da vida empresarial, organizações inovam seus processos, produtos, serviços e experiências através de inovações que rompem os padrões existentes, desconstruindo fronteiras setoriais tradicionais, ou inovando incrementalmente por meio da melhoria de processos, produtos, serviços e experiências em toda a cadeia de valor. De fato, por meio da melhoria e evolução de seus recursos físicos, humanos e organizacionais que, desse modo, possibilitam uma maior diferenciação em relação aos concorrentes em um determinado negócio.
Contudo, é essencial enfatizar que inovações que conduzem a um verdadeiro crescimento lucrativo e ao aumento de valor com utilidade para os consumidores, originam-se fundamentalmente do core business empresarial, de um ou dois negócios centrais fortes. O core business é o conjunto de produtos, recursos, clientes, canais e áreas geográficas que delimita a essência do que a empresa é ou aprende ser para atingir sua meta de crescimento sustentável e lucrativo. É aquilo que a empresa faz de melhor, onde ela inova sistematicamente e se constitui em seu principal ativo intelectual.
Tal visão é muito distinta daqueles que apontam que a inovação surge da simples identificação e exploração de novas oportunidades e ideias de crescimento sobre mercados inexplorados. Minha ênfase recai na experiência, na tradição, no conhecimento acumulado, nas rotinas de alta performance que foram construídas com base em investimentos financeiros, gerenciais, tecnológicos e de pessoas ao longo do tempo dentro de determinada organização. A capacidade de inovar está enraizada e inserida nos seus processos e, assim, está condicionada por sua história, sendo mais difícil de ser reproduzida pelos competidores. Inovações são descobertas a partir das circunstâncias envolvidas e construídas encima daquilo que a empresa já faz melhor.
Inovações efetivam-se para solucionar de forma melhor e de maneira inovadora os problemas dos consumidores frente a circunstâncias e situações pontuais. Emergem do mesmo tronco de uma mesma árvore - e de seus respectivos galhos - tendo em vista que foram cultivados e regados ao longo de uma história, de investimentos e aprimoramentos sucessivos. O "conservadorismo", nesta direção, advém da adaptação de um negócio e de competências existentes - mesmo que por vezes ocultas - para a criação de processos, produtos, serviços e experiências diferentes para condições fundamentalmente novas no futuro. Essa visão é muito discordante de, singelamente, inovar em novos negócios, aparentemente, mais "quentes"! Mesmo em ambiente de quarta revolução industrial, a tecnologia não altera essa lógica, na medida em que não muda necessariamente o negócio, não altera a "prescrição organizacional", ou seja, os pontos fortes organizacionais. Evidente, impacta na forma, isto é, no "como" entregar uma combinação de valor e seus relativos benefícios ao cliente ao longo de toda uma cadeia de valor. Mudanças tecnológicas, compulsoriamente, impelem as empresas a uma revisão de seus modelos de criação de valor.
O pensamento "conservador" de Burke nos vaticina que mesmo que um modelo de criação de valor antigo e testado não funcione para sempre, é preferível construir o novo e as novidades a partir de bases sólidas, construídas ao longo do tempo de operações, e melhorar o que precisa ser aperfeiçoado desde aí. Extremamente melhor e mais produtivo do que começar do zero, desde uma ideia ainda não testada sobre um suposto modismo ou de um negócio quente, do momento.
Burke, além de nos oferecer um modelo de mudança gradual, evolutiva, a partir daquilo que comprovadamente se constitui no principal ativo intelectual desenvolvido por uma organização, alerta-nos para as aparentes vantagens - enganadoras - de uma eventual revolução. Em especial, sobre novidades que emergem de qualquer ponto ou lugar, e que estão, com efeito, desconectadas do core business da empresa.
Burke aponta que a inovação é fundamental e que todos os indivíduos deveriam obedecer à grande lei da mudança. Entretanto, suas ideias nos ajudam a compreender que inovações de valor (efetivo), manifestam-se de uma essência robusta, de fundamentos e foco concebidos cuidadosamente, de forma gradual, considerando a tradição, a prescrição e a ordem.
Talvez por falta de uma lógica burkeana, não revolucionária, muitas empresas tenham perdido o foco, buscando crescer em supostas adjacências, que não raras vezes diferem das competências construídas e diferenciadas pela tradição, produtoras de autêntico valor superior para um grupo específico de clientes. Exemplos desta perda de foco são abundantes, tais como nas principais companhias aéreas que buscaram equivocadamente crescimento em negócios de agências de aluguel de carros e outras extensões de marca e, nos fabricantes de produtos farmacêuticos, que entraram no negócio de cuidado pessoal. Perda da disciplina estratégica e de dinheiro!
O conservador inglês nos chama a atenção para o fato de que aquilo que realmente importa acontece nas interações sociais - e nas relações de mercado - entre os diversos atores econômicos e sociais. Em tempos de cadeias regionais e globais de valor, ele nos auxilia a atentar para o estabelecimento e desenvolvimento de relacionamentos colaborativos e de longo prazo com parceiros complementadores na agregação de valor e diferenciação dentro dos diversos ecossistemas empresariais em que empresas estão envolvidas. As competências organizacionais são heterogêneas, o que impulsiona os atores econômicos e sociais a associação e cooperação! O foco não deve estar somente numa solução individual ofertada ao cliente, mas sim estar na criação de valor a partir de todos os players importantes no sistema que contribuem para a geração de valor econômico para um cliente específico.
A leitura diligente de Burke nos remete a antiga tradição de que as novas ideias, a inovação e o empreendedorismo, distintamente daquilo que modismos e falaciosas teorias "modernas" apregoam, ocorra a partir de ideais e soluções de fora da organização. Especialmente - e meramente - que aflorem de pequenas e médias empresas e startups inovadoras. A história de grandes corporações comprova cabalmente que o empreendedorismo interno nessas organizações é capaz de gerar novas ideias, processos, produtos, serviços e experiências que melhor solucionam os problemas no cotidiano dos consumidores. Não, a inovação não depende somente de pequenos e médios empreendedores; é hora de atentar para os empreendedores de dentro de empresas de todos os portes! A tradição e a cultura empresarial exercem um papel crucial aqui!
Ah, como Sir Edmund Burke, com seus ideais conservadores mal-entendidos, atiça-nos no que concerne as inovações! Em especial o seu clamor pelo respeito a tradição, não porque essa representa práticas que começaram há muito tempo, mas essencialmente porque tais práticas sobreviveram e evoluíram por um longo processo de tentativa e erro, sendo capazes de gerar verdadeiras e úteis soluções de valor para os clientes. A história e a tradição são aquilo que genuinamente são, provas de valor, e simbolizam o que uma organização de melhor faz e onde ela é capaz de inovar com utilidade e de forma contínua!
Se o conservadorismo de Burke significa verdadeiramente não mirar fixamente para trás, mas um olhar prudente, para frente em que o presente é sempre melhor que o passado, e representa que organizações estão realmente comprometidas com a manutenção e o aperfeiçoamento dos meios pelos quais se tornaram melhores, facilitando e gerando inovações de valor útil no futuro, honestamente, espero que tenhamos mais conservadores empresarias que partilhem desta mesma visão.
De inovadores revolucionários - muito pouco úteis - correndo atrás de negócios aparentemente quentes que, no entanto, não agregam progresso e benefícios na vida dos consumidores, seguramente, não precisamos. O mercado já se encontra repleto!
Alex Pipkin, PhD