Como se o poder de punir do Estado já não estivesse suficientemente emasculado, alguns magistrados (muito poucos, é verdade) criaram e estão colocando em prática uma perigosa tese jurídica que implica em um altíssimo custo para a sociedade.
Como em um jogo, no qual os delinquentes sempre devem vencer a partida, distorcem mandamentos claros, inventando regras que impedem o cidadão ordeiro de ter alguma chance numa disputa que já nasce desigual quando da prática do delito, pois o criminoso sempre busca uma desleal vantagem sobre a vítima.
As regras desse jogo são simples: avança-se com despudor sobre os poucos dispositivos legais que imprimem algum rigorismo a quem comete delitos, ao mesmo tempo em que se aniquila a segurança da população, mas sempre alegando o fiel cumprimento da Constituição Federal, o que configura um engodo.
Refiro-me às absurdas decisões no sentido de que, foragido o indivíduo do sistema prisional, não há como recapturá-lo sem que haja uma "nova" ordem de prisão expedida contra ele.
Argumentam os "doutos" que como a CF/88 dispõe que só se pode prender alguém em casos de flagrante ou quando houver ordem escrita e fundamentada de um juiz competente, com a fuga, a recaptura só poderia ser feita após o juiz da Execução Criminal expedir uma nova ordem de prisão, pois aquela (decisão) que levou o foragido à prisão (pasmem!) não subsiste à fuga do sujeito que estava preso e deveria cumpri-la.
Ignora-se, portanto, a existência de uma ordem judicial prévia à fuga e que determinou a condução do autor do delito ao estabelecimento prisional, como se o fato de alguém ignorá-la fosse o suficiente para ela perder sua validade.
Ou seja, confere-se a estupradores, latrocidas, traficantes e demais criminosos o poder de revogar, por meio da própria fuga, uma decisão judicial que determinou o encarceramento desses mesmos indivíduos.
Afinal, se é imprescindível um novo comando judicial para que o foragido retorne ao local de onde não deveria ter saído é porque a ordem de prisão que o fez ingressar no sistema prisional de nada vale, uma vez que revogada por quem deveria obedecê-la.
Nada poderia ser mais brilhante e benéfico ao delinquente, não é mesmo?
Assim, se um criminoso for interceptado em uma barreira policial e sua condição de foragido for constatada, não poderia haver a imediata recaptura e o consequente encaminhamento dele para o local onde ele deveria prosseguir com o cumprimento da pena.
Depois, dizem que o legislador constituinte foi "sábio" ao elaborar os artigos da nossa Carta Magna.
Se sábio fosse, teria explicado, em nota de rodapé e com ilustrações coloridas, aquilo que já é suficientemente claro, uma vez que alguns operadores do Direito têm grande dificuldade para entender trivialidades, embora sejam verdadeiros especialistas quando se trata de salvaguardar a liberdade de quem a utiliza para cometer crimes.
*Ronaldo Lara Resende é Promotor de Justiça MP/RS