No Brasil, historicamente ignorante e semianalfabeto, proliferam hoje as glorificações do bizarro, rituais e reverências à grosseria e ao mau gosto
Aposto que vocês nunca viram um show da Anitta. Pessoas que têm o hábito de ler mais de dez linhas de jornal não pertencem ao grupo que sai de casa para esse tipo de espetáculo. Já eu, por curiosidade de cronista, vi nas redes o trecho de uma apresentação.
No figurino da turma, trajes improvisados com pedaços da faixa amarela que nos filmes norte-americanos é usada pela polícia para preservar locais de assassinato; aquela com a frase “DO NOT CROSS, CRIME SCENE”. Mais honesto seria substituí-la por “BUSINESS IS BUSINESS”. Espertos, muitos artistas brasileiros milionários, cujo fã-clube é composto principalmente de gente modesta, adotaram o truque de glamourizar o crime, a violência e a marginalidade, impingindo a elas charme velado nas entrelinhas.
Acompanhada de dançarinas, a moça abriu o show com uma delicada frase de boas-vindas: “Vocês pensaram que eu não iria rebolar minha bunda, né?” Após a introdução, cantou sucessos do repertório, tais como “tem funk/tem muita novinha/tem sexo/mas tem camisinha/menino que beija menina/que beija menino/que beija menina”. “Faz pra mim/pra mim/pra mim, pra mim/no chão, chão, chão/chão, chão, chão, chão/chão, chão, chão/chão, chão, chão, chão.” (isso não foi erro de digitação nem descuido das competentes revisoras de O TEMPO, apenas reprodução fiel das letras).
Mais animadas, Anitta e suas parceiras de coreografia puseram-se de quatro no palco; abriram as pernas, sacudiram as nádegas e simularam carícias íntimas, manipulação, felação e cópula (olha eu aqui me esforçando para ser estritamente gramatical). Nesse ponto da performance, os aplausos e gritos da moçada ultrapassaram os limites dos decibéis.
No Brasil, historicamente ignorante e semianalfabeto, proliferam hoje as glorificações do bizarro, rituais e reverências à grosseria e ao mau gosto. Os mestres dessa matéria nem sempre são oriundos da massa dos excluídos; raros são portadores de gritos de inconformismo e desejos de mudança, o que seria legítimo e louvável. Na maioria são artistas biliardários, absolutamente distantes da dura realidade do povão, mas cuja fortuna é construída com os trocados que saem de bolsos miseráveis. Certamente teriam talento para criar coisas melhores, porém atuam reforçando a ignorância, a desinformação e a autoestima baixa do público, pilares que sustentam suas ricas carreiras.
Por mais que tentem associá-las à produção cult da periferia, as composições rastejam na mediocridade. São meros arranjos de dois ou três acordes eletrônicos sobre o “tuc-tuc” usual ritmado. Versos embotados fazem-nos pensar em celas de cárcere onde condenados cumprem prisão perpétua, cabeças baixas, andando em círculos e repetindo o mote.
Ao valorizar o “feio” no imaginário da moçada, estão insinuando que a marginalidade é linda e deve ser endeusada como expressão cultural. Sacanagem das grossas: na cabeça do adolescente abandonado pela família e pelo Estado, consolida-se a ideia de que é legal se meter no tráfico, cair no crime, disparar fuzil no baile funk. É o marketing outra vez, só que mais canalha, porque – como dizem os especialistas em mercadologia – está apenas fidelizando o segmento atual e conquistando o futuro.
O pior é que militantes, ativistas e setores do pensamento nacional ditos “progressistas” - na verdade, oportunistas deslavados - se aproveitam desse discurso do bizarro, forçando pretensa afinidade com “causas populares”. No fundo, desejam tão somente enriquecer seu arsenal de ofensas. E dispará-lo contra qualquer indivíduo, manifestação artística, texto, obra, reflexão, análise ou comentário que contradiga a estupidez geral com qualidade, espírito crítico, refinamento e sensibilidade, taxando-os como “coisas da elite opressora”.
A feiura é um monstro voraz à solta, devorando incautos e rosnando para os esclarecidos.
*Publicado originalmente em O Tempo