Buscando encher o tempo dos alunos durante o recesso da pandemia, um professor de uma escola de arquitetura do país propôs um trabalho numa aula virtual. Tratava-se de um "para casa" no seu sentido mais que perfeito: um projeto de uma casa imensa, cheia de quartos, garagens, jardins. Sem dúvida, uma tarefa de grandes dimensões em concreto armado, fazendo com que os alunos ampliassem também as dimensões ainda limitadas de seus saberes arquitetônicos. Vigas, pilares, lajes, balanços! Puxa, que desafio!
Inacreditável: alguns alunos deram o golpe. Recusaram-se a fazer o trabalho alegando que o referido seria "racista", já que incluía quartos reservados aos serviçais imaginários da imaginária residência. Na verdade, não enxergaram a casa – imaginária, repito – como um aprendizado, e foram implicar com os imaginários quartos das empregadas.
E se o projeto fosse para um estádio de futebol? Depois de enrolarem por algum tempo, creio que esses alunos redigiriam: "Indignados com a proposta elitista de uma 'arena' – palavra que remete historicamente ao espaço de martírio de escravos inocentes – coletivamente encaminhamos nesta folha A4 o traçado quadrangular de um campo de futebol de várzea, genuinamente nacional. Sem gramado, arquibancadas, coberturas ou demais áreas reservadas às classes dominantes, o mesmo não terá fossos ou alambrados. Trata-se de um estímulo à liberdade, proporcionando a integração das massas sem preconceitos, além de evitar a ação perversa e violenta da polícia que reprime a manifestação popular".
Alunos vão à faculdade para estudar – e ela existe é pra isso, ué. Esses aceitam sua ignorância transitória, absorvem o conhecimento e aí viram bons profissionais na idade adulta. Já outros se sentem detentores de atributos intelectuais acima da média. São sapientes e geniais já no primeiro dia de aula. Infelizmente, devem encarar regras, disciplinas, provas e avaliações até a formatura. Por isso, ficam nervosinhos, impacientes, arrogantes. À menor contrariedade vão resmungar no Diretório Acadêmico, nas redes sociais ou em casa. Oremos para que, no futuro, não caiam nessas mãos os projetos de nossas casas.
Resumindo, esse episódio é mais uma amostra cômica do ativismo cada vez mais festivo que pulula pelos corredores de muitas de nossas universidades, seduzindo jovens incautos. Por falar em afazeres domésticos, quantos futuros arquitetos lavam ou passam suas próprias roupas, cozinham suas refeições, arrumam suas camas ou encaram a louça de casa?
É sabido que as empregadas viraram um luxo para a maioria da classe média. São outros tempos, felizmente. Havia, sim, exploração e desrespeito. No entanto, aqui e no resto do mundo, passada a pandemia, babás, cozinheiras, copeiras, arrumadeiras, cuidadoras, motoristas, vigias e acompanhantes serão recontratados pelas famílias que podem ou que necessitam fazê-lo.
Aliás, isso tem o nome de emprego – hoje com carteira assinada, direitos preservados, consciência profissional e legislação atenta a qualquer desvio. Releiam: escrevi "emprego", aquele velho sistema de ganhar a vida honestamente com esforço, responsabilidade, hora marcada, obrigações. Muita gente inventa desculpas filosóficas, ideológicas e sei-lá-mais-o-que para não encarar um.
*Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com quatro livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália
** Publicado originalmente no jornal O Tempo de BH