Leio, estupefacto, uma “réplica” de Demétrio Magnoli ao artigo do Professor Edilson Mougenot Bonfim na FSP (link nos comentários). Réplica entre aspas, pois não se pode equiparar o grito de um bebê-sagüi ao rugido um leão. Registro, apenas por caridade cristã, alguns dos erros elementares do artigo cometido por Magnoli (não farei a maldade de compartilhar o link):
1. Magnoli sugere que a ausência de prova no sentido de que um “hacker” foi o responsável pela violação da privacidade do então Juiz Sérgio Moro tornaria essa violação “menos ilegítima” e, na sequência, conjectura que os conteúdos exibidos poderiam ter sido disponibilizados por algum procurador “de uma facção rival”. Para o jurista diletante, que equipara o MP a um comando formado por “facções”, a violação da privacidade alheia se presume lícita, ante a incerteza quanto ao meio utilizado para levá-la a cabo. Cabe à vítima indicar o autor do “estupro” de sua privacidade, sob pena de que o ato seja considerado lícito!
2. O articulista vai além, perguntando se “há algum vestígio, por mínimo que seja, a sugerir a adulteração dos diálogos?” Ora, não foi a existência de indícios a sugerir a adulteração dos diálogos matéria de discussão em TODOS os veículos de imprensa nas últimas semanas? Por jejuno que seja em matéria jurídica, caberia a Magnoli se inteirar ao menos dos fatos sobre os quais pretende opinar, submetendo-se,eventualmente, ao sacrifício de ler o próprio jornal para o qual escreve;
3. O pior vem em seguida: ao estilo Lavrenti Beria, Magnoli afirma que é “embaraçoso” o fato de que os alvos da violação de sigilo sejam incapazes de apontar “uma única instância de falsificação nos diálogos”, comparando-os a “réus carentes de álibis verossímeis”. De acordo com o “Código Magnoli”, as vítimas do crime não apenas são convertidas em réus “com álibis inverossímeis”, mas ainda recebem sobre o lombo o fardo do ônus da prova. Em síntese: cabe a elas recordar dos diálogos mantidos há muitos e muitos meses, de modo a apontar onde estaria a adulteração da qual ousam suspeitar;
4. Finalmente, o espantalho: Magnoli vê uma contradição insuperável onde contradição alguma há. Mougenot escrevera, com inteira razão, que o vazamento de dados tinha por objetivo o assassinato de reputação dos responsáveis pelo desmantelamento de um dos maiores esquemas de corrupção que o mundo já testemunhou. Um assassinato cometido mediante mentiras deslavadas, distorções, insinuações maliciosas e difamações rasteiras, a exemplo do que ocorreu na Itália, durante a Operação Mãos Limpas- qualquer pessoa minimamente informada sabe disso. Afirmou, com igual razão, que o teor dos diálogos apresentado (autêntico ou não) em nada sugere a prática de qualquer infração pelos interlocutores. O que diz Magnoli? “Ou uma coisa ou outra”. Não, mil vezes não! O fato de as publicações constituírem um NADA JURÍDICO não significa que não se prestem ao assassinato de reputação das VÍTIMAS, meta para a qual, aliás,textos como o de Magnoli - conscientemente ou não - contribuem sobremaneira.
5. Ao longo de seu “arrazoado”, Magnoli não indica UMA IRREGULARIDADE SEQUER nos diálogos vazados. Tal é sua convicção! Mas exige que Moro e os procuradores “tudo esclareçam”, brandindo um espantalho enquanto incorre em todas as contradições que alega querer impugnar.
Tivesse a Operação Lava Jato sido pautada pelo “Código Magnoli” poderia realmente ser considerada um processo inquisitorial. Felizmente não foi assim. “De jurista e de louco todo mundo tem um pouco”, mas quando o assunto é sério convém deixar de lado os palpiteiros histriônicos e ouvir quem entende do assunto. Parabéns pelo artigo, Professor Mougenot!
*O autor é Promotor de Justiça no MP/RS
** Publicado originalmente no Facebook do autor.