• Paulo G. M. de Moura
  • 23/05/2019
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O CENTRÃO É A CRACOLÂNDIA DA POLÍTICA

 

“Só o povo nas ruas mete medo em político.” – Ulysses Guimarães

O establishment político e midiático não entendeu a vitória de Bolsonaro e não está entendo o início do seu governo. Políticos tradicionais, analistas acadêmicos e comentaristas políticos da imprensa passam o tempo todo afirmando que o presidente deveria ser assim ou assado e que o partido do governo deveria agir assim ou assado. Editorias acusam o presidente de autoritário sem que o presidente tenha praticado nenhuma atitude autoritária sequer. Pelo contrário, toda a vez em que as liberdades democráticas foram ameaças o presidente sempre se pronunciou em sua defesa.

Vivemos uma conjuntura disruptiva. Assim foi a eleição; assim prossegue sob esse governo. Quem quiser entender o que se passa precisa despir o olhar dos conceitos e categorias tradicionais com os quais se analisava a política brasileira nas décadas passadas.

O debate político do passado se travava no âmbito da polarização entre PT e PSDB, no qual o PSDB, um partido de centro-esquerda, era “a direita” do espectro político. A “verdadeira direita” brasileira, sob essas circunstâncias, desde o fim do regime militar até a eleição de 2014, se via obrigada a votar no PSDB por falta de opção. O PT, espertamente, tachou o PSDB como “neoliberal”, aprisionando a direita na armadilha que Olavo de Carvalho chama de “a estratégia das tesouras”, na qual duas forças de esquerda se alternam no poder excluindo a direita como alternativa.

A derrota de Aécio Neves em 2014, o impeachment de Dilma Rousseff, o escândalo do Petrolão e o envolvimento do próprio PSDB nos mesmos escândalos de corrupção em que o PT foi flagrado romperam o paradigma das tesouras e deram espaço para emergência da nova direita brasileira. Essa direita é composta por grupos liberais e conservadores de diversos matizes, que se mobilizaram liderando um amplo segmento social que impulsionou a vitória eleitoral do presidente Bolsonaro.

Esse segmento social é heterogêneo, composto de gente inexperiente na política e, especialmente, que desconhece a cultura partidária do século XX. Dentro desses grupos e movimentos são raros os quadros que, como Olavo de Carvalho ou outros velhos militantes esquerdistas que romperam com seus passados, conhecem essa tradição. A maior parte dessa geração de ativistas se construiu nas mídias sociais e nas mobilizações de rua, em grupos de Facebook e Whatsapp, dentro dos quais egos exacerbados e disputas pessoais são comuns e vêm a publico com frequência. Quando esses grupos eram pequenos e desconhecidos isso não repercutia. Hoje, quando esses personagens são deputados, ministros, influenciadores digitais e gente que tem poder, a política praticada como sexo explícito em praça pública torna-se um problema que Maquiavel não poderia prever em “O Príncipe”.

O presidente Bolsonaro, com todos os seus méritos e limitações, montou seu governo sem fazer concessões ao presidencialismo de coalizão. Aliás como prometeu. Seu governo é composto de três grandes núcleos de legitimação: a) um setor social conservador-liberal (o Olavismo é apenas parte dessa base); b) um setor militar; c) um setor técnico (Paulo Guedes; Sérgio Moro; etc.). De fato, a composição do governo é um pouco mais complexa, mas vou simplificar, pois esses são os setores relevantes.

Com a eleição de Rodrigo Maia para a presidência da Câmara e David Alcolumbre para a presidência do Senado criou-se a impressão de que estaria pavimentado o caminho para aprovação das reformas no Congresso. O presidente, então, encaminha a Reforma da Previdência ao parlamento.

Atenção aqui leitor. Numa democracia republicana normal os poderes Executivo e Legislativo são poderes independentes e harmônicos. O rito praticado pelo presidente Bolsonaro é o NORMAL. Encaminhou seu projeto ao parlamento e aí se encerra sua função. Óbvio que, a partir daí, o presidente precisaria ter um partido organizado e competente operando dentro do parlamento para defender esse projeto e fazer seus projetos avançarem. Mas, isso é outro departamento. O papel institucional do presidente encerrou-se ali. Mas, estranhamente, o que seria natural em qualquer parlamento, que é a tramitação do projeto transcorrer conforme o cronograma previsto, passa a sofrer problemas.

Recolhido que estava desde o início do mandato do presidente o Centrão bota suas garras de fora. Aquilo que seria o normal em qualquer democracia republicana, no Brasil tem “outro normal”. O Executivo só aprova seus projetos no Legislativo se “pagar”. Essas formas de pagamento evoluíram ao longo da Nova República, desde o governo Sarney, como simples loteamento do governo e com os partidos indo se entender com as empreiteiras, até atingir o “estado da arte” sob o governo Lula, no chamado Mensalão, em que os deputados eram comprados com malas de dinheiro vivo no plenário do parlamento mesmo.

Pois bem, o fato é que, com toda a renovação que as recentes eleições produziram, há uma bancada de cerca de 230 deputados do chamado Centrão, que, se aliada à esquerda chega a 350 parlamentares que se comporta como verdadeiros viciados em crack de olho nos cofres públicos. E essa bancada é maior do que a turma decente que saiu das unas de 2018.

Sem perceber que os tempos mudaram, o que fizeram os deputados do Centrão? Esperaram o tempo passar e, no momento em que a MP 870 (Reforma Administrativa) e a Reforma da Previdência chegou ao Congresso, METERAM A FACA NO PESCOÇO DO PRESIDENTE!

Assim mesmo, em caixa alta. Basta passar os olhos pela imprensa. O governo mal tem 5 meses e já começam a falar em impeachment do presidente sem nenhum motivo sequer. Não há precedentes de rejeição pelo parlamento de uma reforma administrativa que impeça um governo eleito de se estruturar com 20 ministérios como definiu para si. O que quer o Centrão? Impor ao presidente governar com 29 ministérios para dar cargos ao Centrão? Não há outro nome para isso senão CHANTAGEM!

E a mídia trata tudo isso com a maior naturalidade. Os ilustres comentaristas dos principais veículos da imprensa não veem nisso nada fora normal? Não caro leitor, os comentaristas da imprensa cobram do presidente que ele seja “articulador”. Os meus colegas ilustres cientistas políticos da academia não veem nada de errado nisso? Não há nada de antidemocrático nessas práticas? Antidemocrático e autoritário é o presidente Bolsonaro que, quando o STF ameaça censurar a imprensa defende a liberdade de imprensa?

O governo Bolsonaro tem seus problemas? Tem, claro. O PSL é um aglomerado de novatos; neófitos e algumas velhas raposas com interesses contraditórios que serve para tudo menos de base de apoio confiável ao presidente. A ausência daquela cultura partidária a que já me referi anteriormente, no grupo que cerca o presidente é outro problema. Essa “cultura” da política praticada como sexo explícito na praça pública na internet e repercutida na imprensa com reverberação sobre o governo gerando crises constantes é outro problema. As tensões e ameaças de ruptura do tripé conservadores/militares/técnicos, especialmente pelas tensões entre o núcleo olavista e o núcleo militar são outro problema. Seria interessante se, em algum momento o presidente conseguisse se colocar acima de todos esses grupos para botar ordem nessa bagunça, mas, isso é assunto para outro artigo.

O que interessa aqui, é que, os grupos sociais do extrato liberal-conservador que lideraram os movimentos de rua pelo impeachment da Dilma Rousseff e a eleição do presidente Bolsonaro perceberam o movimento do STF e do Centrão para asfixiar o governo e fazer retroceder os avanços conquistados nos últimos anos, especialmente da Lava Jato, e resolveram reagir convocando o povo às ruas novamente.

De uma vez por todas, o establishment político e midiático precisa entender que não está lidando com imbecis. Esse público é composto de pessoas instruídas, politizadas e que seguem permanentemente atentas, vigilantes e mobilizadas para garantir que o Brasil não voltará a ser o que era antes.

Quem convocou o povo às ruas não foi o presidente Bolsonaro, foram as lideranças desse segmento social liberal-conservador.

E se fosse o presidente, qual o problema?

Se o parlamento brasileiro se transformou numa cracolândia de viciados em dinheiro público, por que motivo o presidente deveria jogar o jogo da velha política se seu compromisso eleitoral foi exatamente o oposto e foi com esses eleitores? Por que pregam que o presidente deveria se aliar ao Centrão e não ao povo que o elegeu?

Ao contrário do que pregam vergonhosamente os editoriais do Estadão, em nenhum momento o presidente Bolsonaro incitou as massas contra o Congresso ou o STF. Pelo contrário, as declarações oficiais da Presidência da República conclamaram manifestações pacíficas, democráticas e legítimas a favor das reformas. O Parlamento que trate de se dobrar ao povo!

Se alguns segmentos da base de apoio do governo se exacerbaram ao ponto de pedirem fechamento do Congresso e do STF, o que o presidente não aprovou, isso deveria servir de alerta aos congressistas e magistrados que, ao se refestelarem entre lagostas, camarões e champanhas nos regabofes da corte, não fazem a menor ideia do tamanho da indignação da plebe.
 

* Cientista político e produtor de cinema e vídeol.