Acaba de ser lançado o livro POLÍTICA AGRÍCOLA NO BRASIL, de Ivan Wedekin e vários colaboradores. É uma obra de primorosa clareza. Dá ao leitor - mesmo se não entendido em temas do agronegócio - um verdadeiro passeio guiado pelos meandros da agricultura de hoje e de como chegamos até o ponto onde estamos.
O principal recado do livro vai agradar a quem acredita na força do empreendedorismo e dos incentivos de mercado. Fica clara a noção de que liberar é preferível a intervir. Que fomentar é superior a coibir. Que delegar é melhor do que concentrar e assoberbar. No período de alto intervencionismo do governo sobre os mercados agrícolas, o Brasil era importador de comida e só exportava commodities de tradição centenária, como café, açúcar e algodão. Quando o País parou de recorrer a intervenções, confiscos e tabelamentos, o que coincide com o Plano Real e, a seguir, com a liberação do câmbio, a agricultura até mudou de nome: virou "agribusiness", agronegócio, e mercados mais livres e competitivos empurraram novos cultivos e criações para o centro da ação no campo, bastando lembrar soja, milho, arroz, frutas, suco de laranja, além de toda a cadeia de produção de proteínas animais, frango, carnes bovina e suína, ovos etc.
Óbvio que o milagre do salto agropecuário não foi só por liberalização de mercados. Houve um empurrão, ou vários e fortes, da política agrícola ao longo do tempo. Lembro o mais relevante: pesquisa para adaptar variedades de clima da Europa e EUA aos trópicos e ao bioma do Cerrado. Uma verdadeira TROPICULTURA foi criada, não só por variedades novas e adaptadas, mas por formas inéditas de plantio, cultivo e colheita. Basta lembrar o plantio direto, sem gradear o solo, evitando a erosão provocada por chuvas torrenciais. A produção de grãos se multiplicou por 5 enquanto a área plantada com grãos não chegou a dobrar. O nome disso é um enorme salto de produtividade. Nesta safra 2019, serão colhidos quase 250 milhões de toneladas de grãos. Em soja, passamos a ser o número um do mundo, mas somos número dois ou três em vários outros produtos. E sem perder a majestade na produção do rei café. Mistério desvendado: o fim do suplício das políticas negativas de intervenção, aliado ao choque produtivo da pesquisa aplicada, que virou tecnologia tropicalizada, revelou a pujança de um Brasil agrícola e interiorano em que poucos acreditavam.
A liberação do câmbio em 1999 completou a obra de oxigenação dos mercados. Não ocorreu o pisoteamento da oferta interna pela suposta preferência por exportar. As duas agriculturas geraram mais renda e prosperaram juntas. Mas não sem algum viés. O campo continua com vitórias concentradas em cerca de 1 milhão de estabelecimentos rurais, modernos e profissionalizados. Mas outros 4 milhões ainda carecem de muita informação, insumos modernos e apoio creditício. Muitos produtores são meros assentados ou posseiros. A desigualdade no campo é gritante, mas não precisava ser desse jeito.
O recado do livro de Wedekin é claro. O futuro exigirá: 1) menos desigualdade, 2) mais sustentabilidade, 3) mais e melhor logística, 4) muito mais pesquisa aplicada (agricultura de precisão) e, por fim, 5) mais diplomacia brasileira via agronegócio.
Palavra final: a agricultura vibrante deu ao Brasil as folgadas reservas em dólar que impedem a transmissão das bobagens da política nacional para dentro do sistema interno de preços. Ou seja, sem querer, o sucesso do agronegócio virou guardião maior da estabilidade institucional e da Constituição de 88. Curioso não ?
* Paulo Rabello, Ph.D (Chicago, 1975) foi professor de Economia Agrícola e Economia da Informação na Escola de Pós Graduação em Economia da FGV.
**Publicado originalmente no JB de 11/12