Os integrantes da Associação MP Pró-Sociedade, irresignados com a determinação de restrição de divulgação de informações à imprensa brasileira e do bloqueio de redes sociais pelo Supremo Tribunal Federal, em razão de críticas a membro da citada Corte Constitucional, apresentam a presente Nota Pública.
Inicialmente, cumpre destacar que a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) proclama em seu artigo 19: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
Por sua vez, a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (1950) prescreve em seu artigo 10: “1 - Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridade públicas e sem considerações de fronteiras O presente artigo não impede que os Estados submetem as empresas de radiodifusão de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia. 2 - O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, em uma sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do Poder Judicial.”
O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966) também determina em seu artigo 19: “1- Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões. 2 -Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha. 3 - O exercício de direito previsto no parágrafo 2 do presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais. Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para: a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas; b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral pública”.
A Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (“Pacto de San José de Costa Rica” — 1969), em seu artigo 13, declara: “1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidade ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar: a) o respeito aos diretos ou à reputação das demais pessoas; ou b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões”.
A Constituição Brasileira de 1988 prevê no artigo 5°, incisos IV (liberdade de pensamento); IX (liberdade de expressão); IX (acesso à informação) e no artigo 220, parágrafo primeiro (liberdade de informação propriamente dita). Saliente-se ainda que o artigo 220, §2°, da Constituição Federal veda toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística, evitando, destarte, uma censura sem ataques aos direitos fundamentais. Por outro lado, a Constituição Federal resguardou aos Órgãos Competentes a análise da responsabilização cível (reparação de danos) e criminal (crimes de injúria, calúnia e difamação) em razão dos excessos praticados por cidadão ou pela imprensa brasileira (artigo 5º, incisos V e X), respeitando-se, para tanto, os princípios da legalidade e do devido processo legal.
A liberdade de imprensa emerge, de forma axiomática, como direito fundamental e instituição (“função pública”), “instituição moral e política” irrenunciável do Estado Democrático de Direito. Ademais, preleciona Jorge de Figueiredo DIAS que a liberdade de expressão e informação assume um duplo caráter em sede constitucional: o caráter de direito individual do cidadão, o qual se traduz tanto em direito de defesa como em direito de participação política e, também, o caráter de uma garantia institucional, no “preciso sentido de proteção jurídico-constitucional dispensada, em nome do interesse público, a uma instituição do direito político. (...) Sob esta última forma constitui a liberdade de expressão e informação o fundamento da opinião pública na sociedade democrática e surge institucionalmente ligada à liberdade de imprensa (...) e à proibição de censura.” Com efeito, a comunicação social desempenha um importante papel de coesão social, sendo certo que num Estado Democrático de Direito os cidadãos tomam decisões fundamentais à condução política do país, devendo-se, neste aspecto, estar totalmente informado para formar opiniões e críticas. Assim, é justamente a imprensa que traz as informações e atua como força propulsora de orientação e discussão política.
A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não somente as informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também aquelas que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, pois a Democracia somente existe a partir da consagração do pluralismo de ideias e pensamentos, da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo.
Por sua vez, o Estado Constitucional moderno estrutura-se como Estado de direito democrático, cuja ordem de domínio é legitimada pelo povo. A par disso, reconhece-se a liberdade de informação como fundamento essencial da sociedade democrática e como garantia institucional (capacitação da opinião pública através da veracidade da informação; veículo de controle popular dos atos dos agentes políticos/públicos). Surge assim o dever de preponderância da liberdade de expressão quando as liberdades se exercitam em conexão com assuntos que são de interesse geral pelas matérias que se referem, pelas pessoas que intervêm e contribuem para a formação da opinião pública.
Ao poder público atribui-se competência para tutelar primordialmente o interesse público, ponderando o âmbito de atuação dos interesses particulares em face do público, e a consequente restrição dos direitos fundamentais, diante da impossibilidade concreta de eficácia absoluta e plena de todos. Essa escolha de valores constitui exatamente a ponderação ou sopesamento dos princípios fundamentais e interesses e bens jurídicos em conflito, tendo como referência o princípio da proporcionalidade à interpretação constitucional.
Assim, o princípio da prevalência do interesse público cria para os agentes políticos/públicos um dever de agir no atendimento ao interesse público em detrimento do privado, estabelecendo, destarte, hierarquia entre os princípios.
O conjunto de princípios constitucionais e o princípio republicano fundamentam a existência de um princípio de superioridade do interesse público sobre o privado e vinculam o agente político/público a um superior interesse geral da sociedade.
Ante um conflito entre as liberdades públicas, impõe-se a prevalência da liberdade de expressão com função (formação da opinião pública), já que neste contexto, aparece como direta emanação do princípio democrático. Deste modo, justifica-se a preponderância da liberdade de expressão sobre a honra e intimidade.
Por fim, vale destacar que foram aprovados, por unanimidade, no 1º Congresso Nacional do MP Pró-Sociedade, realizado em Brasília/DF, nos dias 29 e 30 de novembro de 2018, os seguintes enunciados:
Enunciado 16 – O Ministério Público deve reconhecer que as liberda des de informação, opinião e expressão nos meios de comunicação em geral, inclusive na internet, consubstanciam direito humano à comunicação, que não devem ser objeto de censura ilícita, a pretexto de combate, por exemplo, a “fake news” ou “notícias falsas”.
Enunciado 17 – O Ministério Público deve zelar pelo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância às liberdades de infor mação, opinião e expressão, que consubstanciam direito humano à co municação.
Enunciado 18 – O Ministério Público deve combater toda forma de censura ilícita às liberdades de informação, opinião e expressão nos meios de comunicação social, inclusive na internet.
Ante o exposto, os integrantes da Associação MP Pró-Sociedade manifestam pelo repúdio à qualquer forma de restrição à liberdade de expressão e informação por caracterizar ofensa à Constituição Federal de 1988.
Associação MP Pró-Sociedade