Valdemar Munaro
"A criação da incompreensibilidade, diz o historiador Paul Johnson, quando deliberada, constitui uma agressão contra a razão e, consequentemente, contra a civilização; e quando acidental, significa incapacidade".
Incompreensibilidades, conforme Johnson, ou são deficiências de incapacitados ou são artimanhas de perversos. Quando intencionalmente cultivadas, agem pelo espírito diabólico que trabalha para conflitar e conflitua para trabalhar. Ao invés de esclarecimentos, é confusão e embotamento mental que produzem.
Entre as narrativas mitológicas da Grécia antiga havia o deus Hermes tornado patrono de jornalistas, ladrões e mentirosos. Possuía habilidades interpretativas (hermenêutica) e personalidade camaleônica. Era artista no manuseio de ambiguidades linguísticas e hábil mediador de conversas humano-divinas e divino-humanas. Liquefazia-se para ultrapassar portas e fechaduras a fim de bisbilhotar vidas alheias.
Incompreensibilidades 'deliberadas' ou propositais atuam de modo semelhante. gestadas em redutos imorais, ao invés de esclarecimentos, ofuscam, criam embustes e empulhações. Para nascer, estilhaçam honestidades, esmigalham regras intelectuais e perdem vergonha.
Mentes virgens e sem malícia, sedentas de verdades, infelizmente, quando conectadas a tais incompreensibilidades, ficam abalroadas na confusão e na doidice.
O mundo que Deus nos deu, porém, não é de modo algum ambíguo e obscuro, mas cristalino e luminoso. a percepção e a mente humanas é que falham e se embaralham. as coisas, em si mesmas, não são complicadas, mas são simples e transparentes. Trabalhar para demolir e demolir para trabalhar é, intelectualmente, ir na contramão da obra divina, é ser ninho de trevas.
Já Aristóteles (322 a. c), cientista honesto, entendeu que a alma humana, naturalmente, carrega ordem e orientação para o pensar e para o agir. não é, pois, a sina da humanidade chafurdar na escuridão, viver em conflitos, arder em confusões. o destino do homem é a luz, a comunhão, o bem que acalma e sacia, o esplendor da verdade que beatifica. O próprio Jesus ao se referir a si mesmo, definia-se 'luz do mundo' (jo 8, 12), e os Filósofos Tomás de Aquino e Agostinho amavam a inteligência como faculdade da luz, raiz da liberdade e da dignidade.
Uma prolongada escuridão pode demolir, enlouquecer e incapacitar qualquer personalidade humana. Longas trevas são uma tortura para o ser humano. se o sol morresse, morreriam com ele estrelas, planetas e vidas. Sem a invisível luz que nos ilumina e nos aquece não existiríamos.
Ora, irracionalidades e loucuras são como sóis mortos, sem brilho e sem calor. promover 'ininteligibilidades' é contribuir à alarmante e triste decadência mental em que nos encontramos. preferir a escuridão (Bill Gates planeja tapar o Sol) à luz, é insensatez ignominiosa, é uma escolha suicida e niilista sem cabimento.
Deliberadas incompreensibilidades, portanto, servem ao caos e à demência. Escrever e ensinar com a intenção de confundir, convulsionar, contradizer e conflitar é ser inimigo da luz, de Deus, da humanidade, é contribuir para transformar o mundo num grande hospício.
A sã atividade intelectual, modesta e humilde, por sua vez, ama a verdade, 'não se ostenta, não se ensoberbece', reconhece o engano, se retrata quando erra, sente-se continuamente grata pelo conhecimento adquirido e sabe que é uma dádiva existir de modo racional.
O tecido social liquefeito (segundo expressão de Zygmunt Bauman) dos últimos séculos, contudo, se tornou terreno fértil para ambiguidades abraçadas a dramáticas e ressentidas experiências contemporâneas de opressão, guerra e sofrimento.
A Escola de Frankfurt, por exemplo, nasceu para abordar tais problemas e se guiou por um criticismo tão radical que terminou queimando tudo (menos a si mesma). a empreitada nada edificou, apenas demoliu.
reunidos, os membros abastados e mimados dessa referida escola, quase todos judeus marxistas, difundiram teorias rebuscadas e confusas, encharcadas de análises históricas, sociais, estéticas, eróticas, psicanalíticas, políticas e econômicas que mais confundem que esclarecem. Os escritos desses autores exigem esforços enormes de compreensão por suas 'dialéticas negativas', autênticas britadeiras moedoras de passados e tradições que se tornaram úteros gestantes de tédios e desilusões, antros fumegantes de ídolos, fomentos de burocratas funcionais, como disse Roger Scruton.
Garimpar, ainda que parcialmente, tais intelectuais leva o interessado a encontrar 'demolição' e niilismo em tudo. H. Marcuse misturou Marx a Freud, Max Horkheimer, Hegel a Marx, Theodor Adorno, estética a dialética e assim por diante. este último, destacado expoente daquela escola, infartou vendo frutos de sua própria filosofia: ouvintes, na sua última conferência, puseram em prática 'dialéticas negativas' mostrando suas bundas e peitos ao velho filósofo.
Incompreensibilidades, porém, não são de hoje. Já o poeta Heirich Heine, lendo o renomado Immanuel Kant, comparou suas obras a um saco de papel cinza e seco. Adolfh Baczko, historiador e aluno de Kant, noites adentro, tentava decifrar páginas enigmáticas do seu professor. Viu-se inepto à filosofia kantiana e se convenceu que a mesma ineptidão atingia também os demais colegas. Iam às aulas do filósofo apenas para buscar reputação. Há, desde sempre, mais professores que atordoam alunos do que ensinam e iluminam.
Mesmo o velho Kant, conforme testemunho do biógrafo Manfred Kuehn, não entendia o que escrevia, especialmente nos seus últimos anos. E o contemporâneo iluminista judeu, Moses Mendelsohn (1729 - 1786), por sua vez, lendo escritos kantianos, achava-os obscuros.
pôr-se a ler N. Maquiavel, J. J. Rousseau, J. P. Sartre, M. Foucault, J. Lacan, G. Deleuze, L. Althusser, A. Gramsci, K. Marx, F. Engels, G. W F. Hegel. I. Kant, C. Darwin, Kurt Godel, H. Bergson, J. Habermas, Sigmund Freud, G. Lukács, M. Horkheimer, H. Marcuse, J. Habermas, Theodor Adorno, Friedrich Nietzsche, Bertolt Brech, William Reich, Alfred Kinsey, Margared Mead, Vladimir Lenin, Adolf Hitler, John Keynes, L. Wittgenstein, M. Heidegger, B. Russell, etc. etc., grande parte deles, autores do nosso tempo, é para se encontrar, certamente, no interior de florestas doutrinárias estonteantes que mais barafundam o leitor do que iluminam. Benjamin Wiker enumerou obras ambíguas e confusas desses autores que, segundo ele, se tornaram muito perniciosas à humanidade.
Mas a lista de Wiker pode ser ampliada. M. Heidegger, outro exemplo, considerado por muitos como o maior filósofo do século XX, é visto por Emmanuel Faye como embusteiro e nazista. A mesma opinião têm Victor Farias, chileno, e José Pablo Feynman, argentino, cujo texto 'a sombra de Heidegger', "desvenda a relação dos intelectuais com o poder e põe a nu a ambiguidade das verdades absolutas, a racionalidade do horror e as armadilhas da inteligência".
As profusas e prolixas correntes doutrinárias contemporâneas, têm uma peculiaridade: fazem conceitos ter novos significados e significados ter novos conceitos. Tudo para complicar.
Entre nós, há muito, pelejamos com 'teologias libertadoras' que sob muitos aspectos se tornaram indigestas à fé cristã justamente pela abundância de ambiguidades e confusões que trazem e criam. A sabedoria teológica porventura extraída de seus ensinamentos vem embananada na mistura de elementos ambíguos e conflitivos: sociologia, psicologia, história, marxismo, economia, política, ética etc e até bíblia sagrada.
De ambiguidades também se nutrem as campanhas da fraternidade derramadas em todos os períodos quaresmais na igreja do Brasil. Não se distinguem ali as fronteiras do mero serviço social e político prestado pela religião do serviço religioso prestado pela atividade política incrustada nela. A confusão é dos diabos, tanto para a pastoral quanto para a teologia.
Ambíguos são os comportamentos sindicais dos dirigentes da CNBB congraçando-se alegremente com o larápio Lula, corruptor e corrupto, sob muitas faces, exatamente na contramão das verdades cristãs. Basta conferir o que pensa a doutrina petista sobre aborto, drogas, ideologia de gênero, cerceamento de liberdades, ditaduras, propriedade privada, etc.
Ambiguíssimas foram as manifestações do Papa Francisco sobre as supostas inocências e purezas de Lula e Dilma. O pontífice, para dizer tais asneiras deve ter sido orientado por seus péssimos informantes. O abraço ao mandatário brasileiro e o beijo deste no Papa estampam uma caricatura da 'honestidade' e um espelho da hipocrisia. O fiel católico que porventura repudiar a corrupção, defender a vida e a liberdade há de desnorteado, se perguntar: "Quando vier o Filho do Homem, acaso achará fé sobre a Terra?" (Lc 18, 8)
A jurisprudência nascitura das recentes decisões do STF e do TSE será certamente confusa e ambígua. Os supremos magistrados, bicados por ativismos políticos, dão espetáculos dantescos e bizarros ao Brasil quando soltam ladrões e prendem inocentes, proclamam livre opinião, mas aplaudem a censura, cerceiam a liberdade dos que andam à direita e corroboram a tirania dos que vão à esquerda.
Esses mesmos magistrados, encharcados de 'imaginações dialéticas' participam de churrascos no Alvorada, fazem lobby com deputados, vão a congressos de estudantes comunistas (UNE), casamentos de amigos, conferências no exterior mostrando em tudo, ambiguidades sorrateiras e despudoradas.
Envolvidas nas contradições de políticos, juízes, religiosos, jornalistas, professores, filósofos, teólogos, sociólogos e analistas, nossas instituições são abalroadas em ambiguidades e 'baratinam' os que ainda confiam nelas.
Ambiguidades e contradições, infelizmente, já não nos espantam, nem nos envergonham. Hegel (1831), o mestre das ideologias totalitárias e das contradições, ensinou que se pode viver de modo esquizofrênico, sem problemas. Seu fiel discípulo, Karl Marx (1883), absorveu perfeitamente seu ensinamento e nos deu uma filosofia, o marxismo, insuperável em matéria de conflitos, ambiguidades, contradições e hipocrisias.
À florescente comunidade de Corinto, na Ásia Menor, o apóstolo Paulo advertia falantes e linguarudos acerca da importância de usar clareza nas palavras e atitudes. As ambiguidades, entendia ele, corroem a comunhão e a força de uma comunidade. "Se a trombeta emitir um som confuso, quem se preparará para a guerra?" (II Cor 14, 8).
Santa Maria, 27/07/2023
* O autor é professor de Filosofia