• Fernando Fabbrini
  • 06/08/2020
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MILHÕES PARA ILUDIR

 

O cidadão-contribuinte-eleitor que navegar pelo portal da transparência da Prefeitura de Belo Horizonte vai constatar que nada menos de R$ 46 milhões estão aprovados para gastos em publicidade no período de fevereiro/2020 a fevereiro/2021. Isso: R$ 46 milhões. Exatamente: comerciais de TV, anúncios, numa média de R$ 3,8 milhões por mês.

No Brasil o poder público acha-se no direito de usar dinheiro de impostos para convencer-nos de que é competente, íntegro, honesto, legal, bonzinho, sensível, amoroso e preocupado conosco. Daí, publicitários – muito criativos na arte de gastar dinheiro do povo – inventam slogans, produzem filmes com crianças bonitinhas na creche, operários sorridentes na obra, mulher grávida acariciando o barrigão, galera dançando rap na favela, mãe beijando filho, filho beijando avó, marido beijando esposa – aquela xaropada usual de clichês e pieguices.

A pandemia - desculpa do momento – servirá de justificativa para novos comerciais em horário nobre, o mais caro. Estarão – de novo! - recomendando distanciamento social; uso de máscaras; álcool nas mãos; evitar aglomerações; ficar em casa. Grande novidade: desde março sabemos disso; ninguém aguenta mais. Se à essa altura da pandemia (mundial, né?) um cidadão não toma tais cuidados, ele é um imbecil, um idiota sem cura. Logo, não existe propaganda, mandinga ou reza brava capaz de sensibilizá-lo.

Esses R$ 46 milhões serviriam mais à comunidade se fossem gastos onde realmente valessem a pena. Merendas escolares para os sem-aulas carentes? Ações inéditas na área da saúde? Mais leitos, equipamentos, respiradores, remédios? Obras pontuais urgentes na periferia? Reduzir custos da administração municipal? A cidade está imunda, lixo acumulado em toda parte. A coleta seletiva pelo menos daria destino às milhares de embalagens geradas pelo crescimento assustador do delivery. Enfim: com um mínimo de ponderação e seriedade é possível listar usos de verba pública que realmente acrescentem algo à vida do contribuinte - em vez de torrar R$ 46 milhões na publicidade.

Publicitário que fui por mais de 30 anos (exclusivamente na iniciativa privada, devo dizer) creio que, mesmo gastando tanto, são campanhas furadas. Pelo que aprendi, parece que falta aos profissionais de comunicação responsáveis certa sensibilidade para entender o que se passa hoje na cabeça do chamado público-alvo: nós.

Além de já preocupados com a saúde, aterrorizados pelo massacre dos noticiários, falidos em nossos negócios, com as contas atrasadas, privados do sagrado direito de ir e vir - deveremos ainda assistir na TV a cidade desperdiçando dinheiro e bater palmas?

Aliás, para esse fim inadiável da publicidade oficial nunca faltaram fundos e o dinheiro aparece num estalar de dedos. Já para atender ao clamor frequente, diário, aquele que implora por obras emergenciais – ruas esburacadas, encostas que caem, passarelas para pedestres etc. – qualquer processo empaca num empurra-empurra burocrático sem fim.

O Brasil é um dos poucos países onde a propaganda oficial não foi ainda banida. Por qual razão os detentores transitórios do poder necessitam se elogiarem às custas de nosso dinheiro? Que paguem os auto louvores de seus próprios bolsos, ora. Não bastaria aos eleitos cumprirem com seus deveres – sem mutretas - para construírem uma imagem positiva e receberem aprovação sincera do eleitor?

Há décadas e sob disfarces variados, as “verbas de publicidade” de governos, assembleias legislativas e câmaras municipais escreveram longas folhas corridas na história da corrupção e da criminalidade no país. Já é hora de eliminar essa afronta situada no topo da lista dos supérfluos mais danosos da nação.

Os cidadãos-contribuintes-eleitores esperam que os governantes trabalhem – e só. Trabalhem direito, depressa e de preferência calados. Afinal, foram eleitos para isso e, vale lembrar, não fazem mais que suas obrigações.

*   Publicado originalmente em O Tempo, de BH