Recorrentemente escuto, como a panaceia para a solução do problema violência que corre à solta no país e o arrefecimento do poder do Crime organizado, o mantra de liberação das drogas.
Segundo os arautos do “libera-geral” , ao se permitir a lícita comercialização de substâncias entorpecentes , o mercado irá, naturalmente, ao longo do tempo, regular-se.
Em um primeiro momento, pela novidade trazida pela liberação das drogas, o cenário de consumo pioraria.
No entanto, em momento futuro e incerto, com o fim da novidade e a adoção de medidas de conscientização e redução de danos, o consumo se estabilizaria e, ao final, retrair-se-ia.
Além disso, com a oferta de produto de melhor qualidade e a menor preço, não haveria motivo para os consumidores buscarem, no universo ilícito, a droga de sua preferência, o que traria, como paraefeito desejado, a inanição econômica das organizações dedicadas ao tráfico ilícito de drogas e o decrescimento de seu poder.
Assim, no onírico mundo abstrato e das ideias, onde os unicórnios pastam alegremente e todos somos felizes, a “genial sacada” não teria como dar errado.
O problema é que ideias, quando deixam o campo da cogitação, trazem consequências, as quais, ao se entrechocarem com a realidade, nem sempre resultam naquilo que, a priori, desejava-se.
E aqui o grande problema não previsto pelos defensores da legalização das drogas: o Brasil é um verdadeiro moedor de abstrações e pródigo em subverter estupendas ideias.
Vamos lá…sigam o meu raciocínio.
A liberação das drogas para funcionar da forma abstratamente prevista, pressuporia, como antecedente lógico e necessário, que o Estado fizesse uso de agressiva política tributária, taxando muito pouco ou mesmo abrindo mão de taxar, a cadeia produtiva e a mercancia das drogas, para que, ao consumidor final, chegasse um produto de melhor qualidade e a preço mais baixo do que o ofertado pelo mercado ilícito.
Se isso não for feito, o mercado ilícito permanecerá intocado e prosperando, o que é pior, com o incentivo da ausência de uma concorrência com capacidade de lhe fazer frente.
A experiência brasileira, sedimentada ao longo dos séculos, mostra que os estamentos de poder nacional , desde o nosso descobrimento, são acometidos por um furor tributário, fazendo incidir, em escala industrial, tributos em tudo o que se possa imaginar, não sendo crível , no caso das drogas, que os governantes venham a abdicar de tão abundante fonte de arrecadação, ainda mais em tempos em que as contas públicas estão altamente deficitárias.
Os paradigmas tributários das drogas, que nos mostram o tipo de tratamento fiscal dado pelo Estado a assemelhados,o álcool e o tabaco, sofrem a incidência de pesada carga tributária, proporcionando farta arrecadação para os cofres públicos e ótimas oportunidades para a expansão do mercado ilícito.
Tanto isso é verdade, que o mercado ilícito do contrabando e da pirataria de cigarros está estimado, pelas empresas que atuam no setor, ano a ano, em mais de seis bilhões de reais.
O mais interessante de tudo isso é que este mercado, cujo produto original é LÍCITO, é dominado pelo Primeiro Comando da Capital, uma das mais agressivas organizações criminosas do país e cujo poder quer se acabar com a liberação das drogas.
A retração do poder das organizações criminosas e da violência que elas se valem para manter e ampliar os seus empreendimentos, não está na mágica liberação das drogas, e sim no aumento do custo de suas ações, o que, no Brasil, país onde a taxa de resolução de crimes é baixíssima, é uma quimera.
Suponhamos, no entanto, que,por um milagre, ao mesmo tempo em as drogas sejam legalizadas o governo faça a sua parte e aplique alíquota zero ou próxima de zero para a mercancia do produto.
Poderíamos nós, a partir disso , acreditar que as organizações criminosas perderiam a sua força??? Infelizmente a resposta é um enorme e sonoro NÃO!!!
Diante do quadro de impunidade vigente no país, onde a taxa de sucesso de um criminoso ao praticar um delito supera 95%, onde taxa de resolução de crimes é irrisória e a execução penal um quase nada, as organizações criminosas, tendo a lucratividade de seu modelo de negócios diminuída, pura e simplesmente irão migrar (displacement) para outra atividade ilícita com igual ou maior lucratividade. Simples assim!
Os crimes, portanto, serão outros, mas as organizações criminosas continuarão intocadas.
Afirmo, por esse motivo, que a única coisa que a liberação das drogas irá proporcionar para o país, mais além da satisfação de seus arautos, será a ampliação do poder paralelo do Crime organizado que diversificará a sua “carteira de investimentos”.
Efetivamente é muito difícil e cansativo viver no Brasil.
Aqui a realidade é sempre um inconveniente a ser superado e as abstrações ideológicas assumem o protagonismo.
As drogas, a começar pela maconha, infelizmente, para o prejuízo da nação, serão liberadas e, as suas nefastas consequências se farão sentir.
Pagaremos todos nós , outra vez, pela vitória do abstrato.
E que Deus tenha piedade de nós!
*Fabio Costa Pereira, procurador de Justiça do MPRS e especialista em Inteligência Estratégica pela Escola Superior de Guerra
**Publicado originalmente no Facebook do autor e no Estadão de 29/06