A partir de candidaturas de fachada ou “laranjas” reveladas em torno do pleito de 2018, quando consideráveis verbas públicas de campanha foram fraudadas para destinatários indevidos, retorna ao debate a possibilidade das candidaturas apartidárias ou independentes.
As candidaturas a cargos eletivos no Brasil são exclusivamente partidárias. Mesmo que esse assunto seja inteiramente regulamentado, a nosso ver em profunda demasia, o Brasil é um caso histórico e indisfarçado de subdesenvolvimento partidário. Agremiações surgem e desaparecem ao sabor de circunstâncias ou necessidades ditadas pelo poder. A debilidade do sistema é alarmante. Daí a oportunidade e importância das propostas formuladas no Congresso Nacional a favor das candidaturas avulsas.
Entre 2004 e 2016 foram apresentadas oito propostas neste sentido, quatro no Senado Federal e outras quatro na Câmara dos Deputados, todas questionando conceitos tradicionais tidos e havidos como intocáveis e que se encontram mumificados desde a década de 40 do século passado. Suas justificativas são inteiramente pertinentes. Afinal, a rotatividade no poder seguirá ininterrupta. Governantes e legisladores continuarão sendo sufragados periodicamente. Contraditórios, desacreditados, desagregados internamente e envoltos em escândalos praticamente incessantes, a maioria dos partidos brasileiros não instrumentaliza eficazmente o princípio democrático que lhes é atribuído.
Mesmo diante de índices drásticos de rejeição, muitos negligenciam reinventar-se. Estão voltados principalmente para a preservação do mercado político-eleitoral. Giram em torno de si próprios, de seus cofres e umbigos. Não captam as demandas sociais mais latentes. Frustram a sociedade.
Embora os partidos sejam relevantes para a legitimação do poder estatal, o palco democrático comporta a presença de outros partícipes para atuar na cena política tais como entidades e instituições. Assumir um mandato sem filiação partidária não é circunstância que desnature a legitimidade do eleito. Ao contrário. Expressiva parcela do mundo civilizado funciona assim. Por quê? Porque eficiência e resolutividade são atributos próprios do mandatário e que obviamente independem da partidarização.
Aliás, é exatamente no vácuo desse abismo que entidades privadas, Organizações Não-Governamentais (ONGs), associações profissionais, culturais e comunitárias vêm se convertendo em instrumentos de reivindicação e construção de consensos à margem dos aparatos partidários. São corporações civis de cunho intermediário viabilizando a participação social.
Não se trata de pregar a abolição dos partidos ou torná-los decorativos. Longe disso. A motivação inata das propostas é pela inclusão e não exclusão de candidaturas. Todas introduzem novos conceitos para a representação popular. Certamente outras pessoas se animarão a concorrer livres do burocratismo partidário.
É preciso romper algumas amarras para identificar que os tempos mudaram e que o sentido da representação evoluiu. Expandiu-se. Não é o mesmo de trinta anos atrás. A maioria do eleitorado vota em pessoas. O próprio Tribunal Superior Eleitoral deixou de exigir o substantivo partido. Com isso, o PFL passou a ser DEM, o PTN virou Podemos, o PTdoB oficializou a troca para Avante e o PSDC agora é a Democracia Cristã. Antes, já haviam surgido a Rede, o Novo e o Solidariedade.
Quatro em cada 10 nações permitem que pessoas sem filiação partidária disputem mandatos. Alemanha, Japão, Itália, Reino Unido, EUA, França, Chile, Irã e Índia são alguns. 39,17% dos países admitem candidaturas avulsas apenas para cargos legislativos e 37,79% para presidente e cargos legislativos.
A realidade brasileira, tanto na sua dimensão social quanto política, para reagir à mesmice e aos novos engodos, necessita “revigorar os partidos e, ao mesmo tempo, permitir a expressão eleitoral de forças que não se sentem representadas no atual sistema partidário” (PEC nº 41/11).
*Advogado e professor de Direito Eleitoral