Nota: Artigo publicado no Correio Braziliense em 2007 e novamente atual
O título acima é propositadamente cômico. Imagine que abaixo dele houvesse um texto lamentando que a morte atinja sobretudo os ladrões menos abastados, uma vez que os membros de sofisticadas quadrilhas sempre conseguem escapar, seja da perseguição policial, seja da condenação criminal. Imagine ainda que houvesse estatísticas de quantos amigos do alheio morrem ao exercer seu trabalho em "condições inseguras". E, chegando ao cúmulo, imagine que o articulista propusesse a legalização do furto como solução para promover a isonomia entre ricos e pobres, e para acabar com a injusta morte dos larápios menos favorecidos.
O parágrafo acima é absurdo. Mas não é menos absurdo do que um artigo, que tive o desprazer de ler neste jornal (31/05/07, p. 24) com o título "Mulheres pobres morrem ao abortar". Em vez de propor que as mulheres, ricas ou pobres, deixem de abortar para deixar de morrer (como seria normal propor aos ladrões que deixassem de furtar para evitar o perigo de morte), a matéria propõe que as mulheres tenham o direito de exterminar sua prole "em condições seguras". E lamenta que a morte atinja sobretudo as gestantes pobres, uma vez que as ricas podem cometer esse crime em "clínicas particulares", que oferecem "melhor atendimento". Em nenhum momento o articulista se refere à vítima do aborto, o bebê, que é sempre morto, não só quando o aborto é praticado em "clínicas clandestinas" e com "métodos caseiros", mas também quando é feito em sofisticados ambientes dotados de potentes máquinas de aspiração e de afiadas curetas para esquartejamento.
Para completar o quadro repulsivo, a reportagem refere-se a dados publicados pela maior rede privada de abortos do mundo, a IPPF, conhecida pelo cognome de "a multinacional da morte", com suas filiais espalhadas por 180 países, inclusive no Brasil (com o nome de BEMFAM). A nefanda organização, segundo a reportagem, publicou um relatório intitulado "Morte e Negação: Abortamento Inseguro e Pobreza". Além de todas as falácias acima já denunciadas, o documento prima por fraudar dados e manipular informações, como é praxe no meio abortista. Baseando-se em uma bola de cristal, "estima-se", que no Brasil sejam realizados 1,4 milhão de abortos e "calcula-se" que 31% das gravidezes terminam em abortamento. Esses dados, baseados na mais científica chutometria, podem ser mudados de acordo com a conveniência do panfletador. Em 1990, o Jornal do Brasil dizia que a ONU havia estimado que o Brasil era recordista mundial de abortos, com uma taxa anual de 3 milhões (12 abr. 1990, p. 7). Afinal, são três milhões ou 1,4 milhão? Ou será que são 100 mil? Ou apenas 10 mil? Em 1993, a Dra. Zilda Arns Neumann, coordenadora da Pastoral da Criança, assustada com a quantidade de abortos que se dizia praticar no Brasil “segundo pesquisas da ONU”, foi consultar a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS, repartição regional da OMS) e recebeu por fax a seguinte resposta em 11/03/1993: "Lamentavelmente, não é a primeira vez que, levianamente, se toma o nome da Organização Mundial de Saúde e/ou da Organização Pan-Americana de Saúde para dar informações que não emanam dessas instituições".
Quanto às mortes maternas, faltou ao documento honestidade para dizer que seu número tem permanecido estável ao longo dos anos em nosso país: 1577 mortes em 2001, 1655 em 2002, 1584 em 2003 e 1641 em 2004. Deste número, a quantidade de mortes maternas em gravidez que terminou em aborto nunca passou de 200. Seu ponto máximo foi 163 mortes, em 1997. Em 2001, 148 mortes, em 2002, 115 mortes, em 2003, 152 mortes, em 2004, 156 mortes. Com um detalhe importante: essa cifra engloba não só a morte materna devida a abortos provocados, mas também gravidez ectópica, mola hidatiforme, outros produtos anormais da concepção, aborto espontãneo, aborto não especificado, outros tipos de aborto e falhas na tentativa de aborto. Com uma gama tão abrangente, a cifra não chega a duas centenas, para tristeza dos abortistas. Note-se bem: esses dados disponíveis a qualquer internauta que visitar a página do Departamento de Informação e Informática do SUS - DATASUS.
No entanto, é possível também reduzir a zero esse baixo índice de mortes maternas por aborto. O caminho é exatamente o contrário ao proposto pela "multinacional da morte": combater o aborto, melhorar as leis punitivas, aumentar a persecução policial aos aborteiros, fazer uma campanha de valorização da maternidade e da vida intra-uterina, dar assistência às gestantes em desespero e aos seus filhos nascituros.
É lamentável que governo, meios de comunicação social e IPPF estejam no momento unidos para impor à população brasileira a aceitação do mais covarde de todos os assassinatos.
* Maria José Miranda Pereira é Promotora de Justiça do Distrito Federal