• Amir Kanitz
  • 10/08/2021
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JÁ SOMOS TODOS MARXISTAS?

Amir Kanitz

 

Às vezes me pergunto se já não nos tornamos todos marxistas. Esse questionamento não me ocorre por conta do alcance das doutrinas marxistas nos vários níveis do nosso sistema educacional, e nem mesmo pelo fato de muitas correntes ideológicas deste matiz ainda proliferarem mundo afora. Essa impressão emerge por causa de uma certa mentalidade que parece ter tomado conta de quase todas as pessoas que pensam e agem nas questões públicas. E essa mentalidade alcança os mais variados tipos de inclinação ideológica.

Para você que se sente imune em relação ao pensamento revolucionário marxista, pelo simples fato de recusar tudo o que venha com o nome e o rosto do teórico comunista, eu gostaria de fazer um alerta: talvez você seja um deles!

Karl Marx tem uma frase célebre sobre todos os pensadores, que até então apenas “interpretaram o mundo de diferentes maneiras, porém, o que importa é transformá-lo”. Pois é, Marx era um homem prático. Ele desejava mudança na prática, de tudo, e o quanto antes melhor. Para este influente pensador seria a prática (práxis revolucionária) que mudaria o mundo do jeito certo e necessário.

Pois bem, você pode perceber que os antípodas do comunismo, os empreendedores capitalistas, deveriam representar exatamente o contrário daquele pensamento. Mas, não é bem assim. A burguesia, imbuída de um espírito de inovação e mudança constante, não apresenta uma alternativa tão diferente assim do método de ação do velho comuna. Não pretendem, evidentemente, socializar as riquezas e implantar a “igualdade” violenta e ineficaz (como a História já provou) do tipo marxista. Porém, mesmo nós (me incluo aqui entre quem acredita que democracia e capitalismo produzem mais liberdade e riqueza do que quaisquer outros sistemas já tentados) fomos contaminados por uma mentalidade que deseja transformação social imediata.

A identificação com ideias revolucionárias nem sempre é tão óbvia. E o que proponho aqui é um tanto quanto desconfortável: se você não suporta mais “tudo o que está aí”, esse “sistema podre e corrupto”, as elites políticas que “enganam o povo”, as “estruturas injustas de poder”; e como remédio espera por uma mudança completa e imediata dessa realidade…parece que você assimilou bem o método de mudança social proposto pelo materialismo dialético do velho Marx. Seja como for, liberal ou conservador você certamente não é, pois estes sabem que as mudanças sociais dependem de uma ação de longo prazo, levadas adiante pela própria sociedade e de acordo com seus valores e interesses, SEM esperar por uma intervenção política contundente e definitiva.

Ou seja, se você quer levar toda a sua mentalidade prática para a política, transformando a realidade sem antes investir no esforço árduo de entender como funcionam os processos de construção dos valores sociais e políticos; se você quer simplificar todo o debate, saltando o processo de acomodação negociada de demandas conflitantes; se você exige soluções que venham de cima eliminando todo o mal e implantando uma sociedade melhor… pode ser difícil aceitar, mas você é sim um revolucionário.

Talvez esse seja o momento em que você pensa “sim, só uma revolução para mudar isso tudo aí”. Quanto a isso gosto de lembrar da frase do sempre memorável Roberto Campos: o problema da Revolução é a letra “R”.

Uma sociedade funcional, que elimine progressivamente os problemas e avance para modos mais eficientes de tratamento dos problemas públicos nunca é baseada na ruptura, mas na evolução consistente das soluções que sejam cada vez mais representativas e inteligentes. Não é Revolução, mas Evolução.

Por favor, não leia isso e imagine como os outros se encaixam nessa mentalidade de prática transformadora e revolucionária. Note como todos estamos sucumbindo a esse modelo de pensamento, e que por isso não nos envolvemos em processos de longo prazo, de mudança política consistente com alicerces profundos na nossa realidade. Estamos todos, de parte a parte, desejando uma nova realidade, mas quem está compreendendo melhor a realidade que nos cerca para então se engajar em mudanças pontuais e urgentes? Ou seja, quem está estudando de fato problemas e soluções, para então agir nos problemas que se apresentam logo diante dos seus olhos? Poucos, muito poucos.

E finalmente quero provocá-los com mais uma frase do nosso mais famoso liberal, Roberto Campos: “os comunistas sempre souberam chacoalhar as árvores para apanharem no chão os frutos. O que não sabem é plantá-las”. É uma frase que causa regozijo em todos nós que somos críticos do comunismo. Mas, agora eu pergunto: em relação às mudanças políticas, o que você está fazendo? Chacoalhando a árvore em uma agitação barulhenta que exige mudança já, e que essa mudança caia do céu pelas mãos de algum governante ungido, ou você está plantando e regando as mudanças?

E aí, você é um marxista (enrustido) esperando pela mudança de todas as estruturas políticas e sociais, ou vai começar a se envolver na solução dos problemas públicos que estão aí pertinho de você?

*        Amir Kanitz – Sociólogo, professor e secretário-executivo do Instituto Pessoas Melhores