Valdemar Munaro
Insensatez é o repúdio da razão e a demência, sua deterioração. Viajando no bagageiro da alma humana produzem infelicidades. Ausentes, não são notadas, presentes, causam sofrimentos.
Michel Foucault (1926 – 1984), fértil autor consumido em academias e universidades, herdou fenomenologia existencialista a molde Jean Paul Sartre e argamassou inteligência com demência dando a esta última chamegos e afagos que nos confundem e nos arrepiam.
Escritos e preleções desse autor fazem da loucura uma usina de lucidez e da lucidez uma usina de loucura nublando os contornos da culpa e inocência, esperteza e enfermidade, mentira e verdade, malandragem e decência. Teias patológicas contaminam a todos, por isso, segundo ele, as insanidades não devem ser confinadas nem punidas.
Quaisquer relacionamentos, mesmo belos e benfazejos, para Foucault, estão contaminados pelas estruturas de 'poder' e doidice. A deterioração mental, portanto, adquire 'legitimidade' e nos deve obrigar, enfim, ao hábito da 'doideira geral', solta e difusa.
Notável, paradoxalmente, é gente 'doida' e 'insana' subindo palcos e pedestais, recebendo aplausos, ganhando holofotes, dirigindo nações, inspirando e orientando comunidades. Com maluquices garimpadas em obscuros engenhos culturais amedrontam e entontecem pessoas.
Da insensatez e da demência colhemos tragédias. Elas habitam parasitariamente altos cargos e nichos políticos, nutrem governantes e autoridades para fazer estragos. Astutamente, escanteiam 'estranhos no ninho' até removê-los do bom senso e reinar incólumes mesmo em recônditos lugares (creches, escolas, igrejas e lares).
M. Foucault alavancou intelectualmente o fechamento definitivo de internatos psiquiátricos e manicômios ou hospícios pelo mundo. Loucuras, estigma de poucos, reverberaram-se, inutilizando o esforço de identificação territorial que distingue lucidezes de doidices. O ônus da demência passou a ser de todos, a responsabilidade por seus efeitos de ninguém. Transformamo-nos, assim, em bombeiros que choram enquanto recolhem caídos.
O filósofo alemão, G. F. Hegel (1770 - 1831), século e meio antes, ensinava sobre contradições e conflitos que, sua tese, não são princípios maus, mas fundamentos palatáveis e essenciais ao devir qualitativo e ontológico da natureza e do espírito. Portanto, não devem ser tratados como inimigos, mas como aliados metafísicos da racionalidade.
Desse modo, afagando 'oposições' que mutuamente se 'desdizem' e se 'negam', o maior iluminista da história desrespeitou o princípio de não contradição e mandou às favas honestidades intelectuais imprescindíveis à diaconia científica.
Porém, os princípios descompromissados de suas correlativas consequências se transformaram em libertinos fomentadores de dissociações mentais e comportamentos éticos desavergonhados.
Ante loucas ilogicidades e contradições, o hegelianismo não recuou. Sua contribuição essencial à estratégia comunista foi habilitar os seus discípulos para a arte de um raciocínio convulsivo e dialético. O objetivo deixou de ser científico (a busca pela verdade) e passou a ser aquilo que é pragmático e conveniente. Karl Marx embebedou-se de filosofia hegeliana tornando-se, por meio dela, em exímio mercador de contradições.
A dialética hegeliana, como já disse, cooptou e capacitou marxistas para serem atletas e comerciantes de mentiras. Negociando ilusões e adamantinos paraísos surrealistas, os herdeiros de Hegel, com empulhações intelectuais, transacionam produtos inexistentes. O impudor e a sem-vergonhice acompanham essas transações e as mercadorias sempre são ideais, nunca reais.
Dos princípios Foucaultianos, amalgamados à dialética marxista, tirou-se, enfim, a inversão de ponteiros consuetudinários: doravante, insanidades não mais pertencem a 'manifestantes', mas a recalcitrantes.
Assim: a) insanidade e preconceito é não aceitar o marmanjão canadense Stefonknee Wollschtt (pai de família), ora autopercebendo-se criança de 8 anos; b) insanidade e preconceito é não acolher nem aceitar argentino autopercebendo-se cão siberiano, trans espécime; c) Insanidade é não compactuar com a Suprema Corte colombiana legalizando aborto para seis meses de gestação ao mesmo tempo em proíbe pesca esportiva (peixes sofrem traumas com anzóis, dizem os juízes); d) insanidade e preconceito é não aceitar o homem que se diz marido de uma manequim inflável; e) insanidade e demência é repudiar decisão de nosso STF que prende pessoas sem processo legal e liberta criminosos processados; f) insano e demente é Nayd Bukele, presidente salvadorenho, implacável combatente de 'pandilleros', traficantes e assassinos que sangram o país (corroborados e protegidos por organismos internacionais, OEA, a ONU, etc., ora defensores de seus direitos, por décadas indiferentes às vítimas); g) insanidade e demência é horrorizar-se ante malandragens e palavras do nosso ilegítimo, mentiroso e atual governo posando-se artífice da paz enquanto incendeia o seu próprio país; h) insanidade é abominar hipocrisias de socialistas esbanjando fortunas em jantares fartos, salários estratosféricos (Dilma e afins), viagens inúteis, hospedagens luxuosas, roupas chiques, móveis caríssimos e privilégios sem fim dizendo-se amantes e defensores de pobres e famintos.
Nesses e noutros casos, insanidades e demências, pela lógica invertida, não pertencem aos que as cometem, mas aos que reagem a elas e as repudiam. Atingimos o brejo.
A marcha da insensatez, conforme a escritora B. Thuchman, segue sua iracunda estrada. Colada, sobremaneira, à alma de governantes, intelectuais, líderes políticos e religiosos, produz efeitos tristes, desola e inferniza indefesos e inocentes.
Insensatos, Príamo e seus ministros não ouviram súplicas e advertências de Laocoonte e Cassandra. A ardilosa geringonça deixada pelos gregos às portas de Troia não foi destruída, mas ovacionada e conduzida para dentro da cidade pondo fim aos troianos.
Insensato, Roboão, herdeiro de Salomão, ouvidos moucos às advertências de anciãos, preferiu voz de rebeldes e violentos. A comunhão, então, quebrou-se dentro das tribos de Israel separando amargamente os de Judá (sul) e de Siquémn (norte) durante séculos.
Insensato, o asteca Montezuma inauscultou sinais e advertências de sábios lhe dizendo ser Hernán Cortez e seus soldados homens comuns, não deuses. O reino das Américas recostou-se na vaidade, arrogância e superstição do grande guerreiro que abriu tesouros e palácios ao inimigo.
Insensatos, papas renascentistas Sisto IV, Inocêncio VIII, Júlio II, Clemente VII, Alexandre VI e Leão X envolveram-se nas simonias, esbanjamentos, negligências e depravações servindo a ambições pessoais mais que a Cristo. Surdos ante reformas e decências, apressaram rupturas que rasgariam o manto cristão nos séculos vindouros.
Insensato, Chiang Kai-Shek ignorou vozes que pediam e indicavam estratégias e reformas ante reais intenções do revolucionário Mao Tse Tung. O general, ambicioso e vaidoso, contribuiu ao colapso comunista-maoísta que assassinou milhões de chineses.
Insensatos, Jorge III e governo inglês, olhar fixo nos tributos coloniais mais que no bem-estar de seus habitantes, fomentaram a independência americana (1776) emoldurada na oposição à preconceituosa e arrogante política do império britânico.
Insensatos, Luís XVI e aristocratas franceses, chafurdavam-se em frivolidades sustentadas por iníquos impostos enquanto cresciam miséria e fome populares. Clamores que subiam também desciam insuflando revolucionários de 1789.
Insensatos, Romanov, Rasputin e nobreza russa, desdenhavam lamentos de camponeses e retornantes de guerra (1914-1919). A Revolução de 1917 encontrou ali faíscas para seu fogo demencial.
Insensatas, as presenças francesa e americana em terras indochinas estimularam tristes eventos vietnamitas de 1965 a 1975. Camboja, Laos e Vietnã experimentaram indescritíveis horrores que demências de líderes e governantes causaram.
Insensata é a manifestação do Papa Francisco santificando Dilma e Lula antes do tempo. As palavras do pontífice desconcertam fiéis que abominam a corrupção, a mentira, a hipocrisia, o cinismo, a malandragem.
Insensata foi a Igreja nicaraguense que apoiou causas revolucionárias sandinistas em recente passado. Daniel Ortega, então, juntou-se a sacerdotes (Miguel D'escoto, Ernesto Cardenal e Fernando Cardenal) para iniciar sua demência tirânica. S. João Paulo II advertira sobre riscos daquela escolha eclesial. A semeadura no passado, tem no presente a colheita propícia.
Espeluncas imorais tornam-se canteiros de insensatez e demência. Dos tristíssimos fatos blumenauenses compreendemos que a insanidade machuca, desconcerta e amedronta. Todos aqueles, porém, sobretudo intelectuais e políticos que desprezam valores e princípios morais e espirituais, fazem o mesmo.
Segundo Eric Voegelin, os males que nos curvam e nos ferem têm raízes nas enfermidades do espírito cultivadas em hortas culturais desonestas e imorais. No século das infelicidades, expressão de Besançon, vemos demolirem-se na alma humana sensibilidades pelo sagrado, sentimentos de eternidade e pertença a Deus, amor à Verdade, confiança no destino último, pleno e feliz da nossa existência.
No leito de morte, o insano revolucionário russo, Vladimir Ulianov, (popular Lenin 1870 – 1924) teve um lampejo de lucidez e afirmou: "Cometi um grande erro. Meu pesadelo é ter o sentimento de que estou perdido num oceano de sangue de inúmeras vítimas. É tarde demais para retornar. Para salvar nosso país, a Rússia, teríamos precisado de homens como Francisco de Assis. Com dez homens como ele, teríamos salvado a Rússia".
* O autor é professor de Filosofia em Santa Maria/RS