A “banalização da vida”, na expressão de Hannah Arendt, é um fato. Mas, mesmo assim, ainda não perdemos por completo a capacidade de indignação nem a de ficar sobressaltados com a hediondez daqueles para quem a vida não vale nada.
É abril. Outono. Paralelo 30. A natureza oferta a mais encantadora paleta de cores. Todavia, mal se descortina o dia outonal e tudo se torna sombrio e turvo: a realidade nos joga na cara que, para alguns sub-humanos, a vida nada vale, o que os motiva ao papel de predador.
Na doce calma da pequena cidade de Estância Velha, a manhã banhada de sol foi tingida pelo sangue dos inocentes: criminosos assaltaram uma joalheria e abateram a tiro os proprietários, Leomar e Fernando, pai e filho. Mais um caso de latrocínio. Mais uma família destroçada.
Numa hora destas, é impossível não lembrar com indignação o que prega Marcia Tiburi:
“Sou a favor do assalto”, diz ela. E justifica: “Tem uma lógica no assalto. Eu não tenho uma coisa que eu preciso, fui contaminada pelo capitalismo… (…) Tem muitas coisas que são muito absurdas, que se você vai olhar a lógica interna do processo (…)”. E chega a uma conclusão: “Sabe que isso seria justo dentro de um contexto tão injusto?”
Será que essa senhora, credenciada como “cabeça pensante da esquerda brasileira”, chega a sensibilizar-se com a tragédia de quem perde dois familiares a um só tempo e pelo motivo mais injusto?
Sua declaração (disponível no Youtube) é feita em abstrato e, por assim ser, é adequado afirmar que ela considera legítima a monstruosidade que, neste momento, deixa a comunidade de Estância Velha tomada pela mais dorida consternação.
Mas, apesar do óbvio, a sedizente filósofa jamais foi incomodada por exaltar a violência e fazer a apologia do crime.
E para onde rumamos, enquanto essa mentalidade era hegemônica? Alguém ignora que, nos últimos anos, a leniência com bandidos e outros preconceitos idiotas embasaram políticas criminais?
É certo que a segurança pública do Rio Grande do Sul teve um salto de qualidade no governo Sartori, sob a gestão do secretário de segurança Cezar Schirmer. E mostra sinais positivos com Ranolfo Vieira Júnior, o novo secretário. E daí? Ainda está muito, muito longe de ofertar à população a tranquilidade legitimamente querida por todos – menos pela sub-humanidade, claro.
Ao pensar nas verdadeiras vítimas de Estância Velha – excluídas, desde logo, do catálogo de vítimas de Marcia Tiburi e da esquerda que ela representa – é forçoso e muito triste lembrar que o secretário de segurança, por mais competente que seja, não tem poderes para devolver a vida que energúmenos ceifaram pelos motivos mais torpes.
Que a verdade não seja silenciada! E que não se omitam os que acreditam no bem! Mas, sempre, sempre métodos pacíficos! Lembrando Viktor Frankl: “As coisas vão mal, mas se não fizermos o melhor que pudermos para fazê-las progredir, tudo será pior ainda.”
*Renato Sant’Anna é psicólogo e advogado. Trabalha com vítimas de violência.
**E-mail do autor: renatos21@uol.com.br