Eduardo Lamas
A baixíssima qualidade da educação brasileira é de conhecimento geral, um problema que é agravado pelo pouco espaço de escolha que os pais têm. A mesma lei que obriga a matrícula na escola é absolutamente omissa em relação à qualidade do ensino: por exemplo, a lei não exige que as crianças estejam alfabetizadas ao final do primeiro ano do ensino fundamental. Dito de outra forma, os pais são obrigados a matricular seus filhos na escola, mas esta não tem a obrigação legal de alfabetizá-los no período correto! Obviamente, esta assimetria legal resultante dos mais óbvios interesses sindicais docentes, na prática, atinge os mais pobres, pois os pais de classe média ainda têm alguma escolha e dificilmente aceitam que seus filhos permaneçam numa escola na qual não aprendem o suficiente.
Até recentemente, o padrão de concorrência educacional se dava, num primeiro nível, entre escola pública e escola privada, onde as diferenças de qualidade cobravam um sacrifício financeiro dos pais. O marketing das escolas privadas se focou em aspectos bastante visíveis como limpeza, segurança ostensiva, prédios bem pintados etc., como sinalização de qualidade de ensino. Jamais a escola pública, por suas amarras burocráticas, poderia concorrer nestes aspectos.
O bom marketing acabou nivelando a concorrência entre as escolas privadas. Porém, não é preciso ser especialista em educação para saber que o principal recurso da educação de qualidade é a capacitação dos professores, onde o marketing é menos eficaz. Neste aspecto, o segundo nível de concorrência entre as escolas privadas tem se mostrado ainda pouco definido. Capacitação dos professores não é uma variável de fácil mensuração quantitativa; do contrário bastaria o marketing mostrar que determinada escola tem mais pontuação do que as demais. Capacitação docente pode ser difícil de definir, mas em geral sabe-se apontar quando ela existe. Além disso, há professores bem capacitados em número suficiente para que todas as escolas privadas os disponibilizassem?
Frequentemente, o homeschooling é definido de maneira distorcida, geralmente como um obstáculo à socialização. Deve ser esclarecido que homeschooling não é ato de isolamento social ou religioso. Há vários formatos possíveis, mas em boa parte do debate o homeschooling é tratado como sinônimo de ensino pelos pais em substituição aos professores. Talvez esse seja o formato menos demandado e necessário de homescooling. Pouco se fala no formato no qual o homeschooling se baseia numa conjunção de ensino à distância, aulas particulares e livre frequência de infra-estruturas educacionais (biblioteca, laboratórios, esportes). O perfil de demanda por este formato se concentra em pais que querem cumprir sua obrigação de dispor a melhor formação possível aos seus filhos, mas não encontraram qualidade suficiente, nem em escola pública e nem em escola privada. Pela legislação atual, aqueles pais que contratarem diretamente professores e infra-estrutura educacional para seus filhos sem os matricularem em escolas estarão incorrendo em conduta criminal.
Por ora, o homeschooling ainda não é uma realidade capaz de oferecer concorrência à escola privada. Porém, num futuro não muito distante, considerando inevitável sua legalização, significará um desafio concreto a esta, assim como ao mercado de trabalho dos professores e à sua respectiva sindicalização. Um professor especializado em homeschooling terá sua capacitação muito mais valorizada do que hoje. A tendência é que sua renda seja muito maior como “professor domiciliar” do que na realidade atual, na qual há restrições legais e especialmente ideológicas para pagar salários diferenciados. Assim, a tendência é que professores extraordinários se especializem no homeschooling e, por consequência, as escolas privadas tenham mais dificuldade para contratá-los. E com este mercado de trabalho mais segmentado, dificilmente haverá interesse dos professores em se sindicalizar na forma como se dá hoje, onde os sindicatos estão a serviço de interesses partidários.
Diante desses interesses, as posições contrárias à legalização do homeschooling não são gritadas apenas pelos movimentos de esquerda em nome da “socialização” das crianças e todas as habituais distorções daí decorrentes. O lobby da escola privada neste particular forma uma curiosa, embora politicamente compreensível, coalizão com a esquerda. A realidade legislativa brasileira mostra que o lobby classista, sutil e bom de barganha, pode ser extremamente lesivo ao interesse público, sobretudo quando unido aos gritos assembleístas habituais.
A verdadeira democracia educacional é aquela na qual há diferentes sistemas que atendem a diferentes expectativas, sujeitos a padrões mínimos de qualidade. Nunca é demais lembrar que o homeschooling será mais uma alternativa educacional e não uma obrigação!
* O autor é professor