No advento do Estado moderno, os ingleses não se preocuparam muito em formalizar seus princípios numa declaração escrita, porque já eram há muito tempo norteados por eles, reconhecidos implicitamente na sociedade, resultado de evolução milenar, não carecendo de qualquer discussão ou reforço sobre tais princípios. Tal declaração desses princípios auto evidentes, no entanto, veio a revelar-se de fato necessária na segunda metade do século XX, quando, finalmente, como resposta à expansão do socialismo científico doméstico, o governo Thatcher tratou de colocar os pingos nos i's e reforçar aqueles princípios no campo jurídico, deixando claro inclusive o que não podem os governos públicos e privados em respeito a estes princípios norteadores da sociedade inglesa.
Os franceses, ao contrário, ainda especulavam sobre princípios básicos quando do advento do Estado moderno, o que impedia que qualquer conjunto de princípios criasse raízes e seguisse conservado, a despeito da preocupação até exagerada dos franceses em declará-los explicitamente, mediante derramamento de sangue se necessário. E, de fato, os franceses ainda discutem certos princípios até hoje, dado que não tem sido a própria ideia de conservação um princípio norteador dos governos franceses. Mas, naquilo em que encontraram um norte e souberam conservá-lo - particularmente no campo do cartesianismo onde esse de fato aplica-se: nas ciências exatas - tiveram enorme sucesso. E é precisamente este sucesso nas ciências exatas que lhes confere algum refresco econômico perante o déficit social de seus experimentos humanitários. Que, no entanto, leva o desavisado a crer que a prosperidade material dos franceses é em razão destes experimentos sociais racionalistas, quando, na realidade, poderia a França ser ainda mais próspera do que é, bem como não estariam hoje suas ex-colônias na situação em que estão.
Assim como ocorria com os franceses do século XVII e XVIII, a ação política no Brasil até hoje ainda especula sobre seus princípios norteadores mais básicos, razão pela qual nenhuma lei representa os princípios, embora, à esta altura, já estejam implícitos e auto evidentes em nossa sociedade. Assim, nenhuma formulação de leis prolonga-se por muito tempo no Brasil, a não ser aquelas cujos desdobramentos surtem alguma utilidade ao estamento da vez, que assim conserva e desfaz leis segundo seu próprio conjunto particular de princípios e segundo propósitos utilitários para a mera manutenção do poder e/ou a serviço de experimentos pseudocientíficos de interferência na ordem espontânea. E, com efeito, temos, na ausência da conservação, a ausência de perspectivas, onde nada resta a salvo ou exitoso por muito tempo.
Conforme demonstrou Hayek:
"É ilusório esperar que possamos construir uma ordem coerente por experimentação aleatória, com soluções específicas para problemas particulares, sem seguir princípios gerais norteadores. As experiências proporcionam muita informação sobre a eficácia de diferentes sistemas sociais e econômicos como um todo. Mas uma ordem tão complexa como a sociedade não pode ser intencionalmente criada nem como um todo, nem pela moldagem de cada parte em separado, sem considerar o restante [impossível a qualquer ser humano tomar conhecimento], mas somente pela adesão sistemática a certos princípios ao longo de todo um processo de evolução."
Para norte-americanos, canadenses, taiwaneses, singapurenses e australianos, não renegar os princípios de seu colonizador significou conquistar e assegurar a própria liberdade, cientes de que estes princípios guardavam um valor de um milênio de evolução livre e bem sucedida. O que nem sempre é possível ou o caso de se fazer, como se pode perceber pelo resultado das investidas francesas, portuguesas e/ou espanholas no Oriente Médio, na África, na América Latina e/ou Caribe, territórios onde ainda predomina, senão o tribalismo em si, a própria cultura do socialismo científico.
E, de fato, não há problema algum em se descartar aquilo que se herdou se o que se herdou implica no risco de se atribuir importância às consequências já previsíveis em detrimento daquelas que se sabe serem possíveis. A própria ordem espontânea naturalis - da ação humana em grande sociedade - vale-se de um mecanismo evolucionista de seleção das aptidões e práticas culturalmente transmitidas, não da seleção de características inatas, como se pretende no socialismo.
Isto pois, todo ser humano nasce condenado, por assim dizer, a aceitar, ao menos inicialmente, os princípios de outrem, pois princípios não se inovam no decorrer de uma geração, mas de várias gerações. Princípios criados por uma geração para o desfrute dela própria não são princípios naturais limitadores da vontade, são princípios artificiais, produtos da vontade no contexto de mera rebeldia ou coisa pior. De modo que, aceitando-se como princípios de fato apenas aqueles centenários ou milenares, cabe escolher entre aqueles cuja realização anterior nos aproxima do caminho da liberdade e aqueles cuja realização anterior nos afasta do caminho da liberdade. Não se trata, portanto, de construir o caminho da liberdade, mas sim de encontrá-lo.
O privilégio desta nossa geração repousa justamente no fato de que tal caminho já está suficientemente liso e pavimentado, bastando seguir por ele. No lugar do suplício em aceitar a herança de um realismo espúrio ou da indignidade em se militar pela utopia da vontade, podemos ter a coragem para ousar a utopia provada.
Como se vê, o termo "conservador" não se refere ao radicalismo de se aceitar a herança como sendo inatacável - esse é precisamente o significado pejorativo atribuído pelos progressistas, na tentativa de imposição de uma utopia da vontade.
E eis porque afinal todo liberal genuíno não escapa de ser conservador: ele segue por caminhos já trilhados por outras gerações e que se ainda existem limpos e conservados é porque não levam a um beco sem saída.