A entronização de Lula como ministro não seria tipificável como obstrução da Justiça, pois ele continuaria processado em outro órgão jurisdicional. Mas sugere nulidade por desvio de finalidade. Porque todo ato da autoridade deve atender a um interesse público, e o de que ora se cogita mira exclusivamente em interesses pra lá de particulares.
O fundamento anunciado para eventual impugnação, mais se ajustaria a uma “obstrução de instância”, que não encontra respaldo para imputação em nossa legislação.
Para caracterizar o ato viciado, basta atentar a que o desvio de finalidade se verifica quando se torna óbvio que, embora atuando nos limites de sua competência, a presidente busca proporcionar ao seu ex, foro por prerrogativa de função depois de iniciada a investigação e até formulada a denúncia, ou seja, “foro privilegiado”. Aqui não se cogita apenas de indícios de desvio, mas de evidências gritantes, resultantes de fatos notórios que independem de provas.
O ato praticado com desvio de finalidade – como todo o ato ilícito ou imoral – se apresenta disfarçado sob o capuz do interesse público, lecionava o saudoso Hely Lopes Meirelles. Em face disso, há de ser surpreendido e caracterizado por indícios e circunstâncias que revelem sua distorção legal, substituído ardilosamente por um fim de interesse exclusivamente particular.
A velha Lei Popular (Lei 4.717, de 29.6.65), já naqueles obscuros tempos jejunos de democracia, abriu a qualquer cidadão a possibilidade de anular todo ato da autoridade pública viciado pelo desvio de finalidade ou de poder.
Fica caracterizado quando “o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explicita ou implicitamente, na regra de competência (art. 2º. e parágrafo único). O ato do “convite” se encaixa como uma luva na definição legal. Pois quem estaria interessado em retroceder de ex-presidente vitorioso a ministro sob mau tempo, que não exclusivamente o próprio, para cair no colo do Supremo?
* Ex-subprocurador-geral da República