Qualquer analista imparcial, não comprometido com o gozo de benefícios e privilégios “autoassegurados”, em Brasília, percebe que, se políticos e burocratas não mudarem a mentalidade, o Brasil será o mais forte candidato a reeditar o drama venezuelano, em médio prazo, no cenário mundial.
Não discuto, neste breve artigo, a idoneidade dos membros dos tribunais superiores e do Ministério Público, aparentemente não contaminados pela avalanche de investigações, denúncias e condenações que atingiram os componentes dos outros Poderes, até porque, sendo o Judiciário um Poder técnico e o Ministério Público uma função essencial à administração da Justiça, seus integrantes são, na expressiva maioria, aprovados em duríssimos concursos, em que o exame de seu passado ético sofre também severa avaliação. Participei da banca de três concursos de magistratura (aprovamos, ao todo, menos de cem magistrados nos dois concursos federais e no do Estado de São Paulo, entre seis mil candidatos). Sei, portanto, do rigor e das dificuldades que lhes impusemos para conhecer sua competência e sua vocação.
Todavia tais instituições – que são técnicas, e não políticas –, ao arrepio da Lei Suprema, passaram a entender que poderiam substituir os poderes políticos dos governos, neles interferindo, como se legisladores ou executivos fossem.
O Brasil só sofreu o terceiro rebaixamento no grau de investimento, por importante agência de rating, por força da paralisação das reformas, cujo principal responsável foi o antigo procurador-geral da República. Numa nação em que a escandalosa carga tributária beneficia fundamentalmente os burocratas e políticos, sem reverter, em benefício do povo, serviços públicos na proporção de sua cobrança, é de estarrecer a decisão monocrática de respeitado ministro da Suprema Corte que autorizou aumento do funcionalismo federal que fora suspenso pelo governo em face do acentuado déficit das contas públicas.
Em outras palavras, o Brasil passou a ser um país menos confiável para receber investimentos pela incapacidade dessas autoridades de perceber que o que gera tributos (para poderem continuar nos seus postos), cria empregos e produz desenvolvimento são os investimentos, que o governo não tem recursos suficientes para estimular nem prestígio internacional para receber na proporção que a grandeza do Brasil merece.
Por outro lado, os participantes dos governos anteriores, que colocaram assaltantes públicos em empresas estatais, causando prejuízos monumentais por corrupção e incompetência na Petrobrás, no BNDES e em outras entidades públicas sustentadas pelos contribuintes brasileiros, além de provocarem inflação de dois dígitos, desemprego acentuado, PIB negativo, recessão, queda na balança comercial e monumental atraso na eventual inserção brasileira no comércio internacional, protagonizando um populismo deletério e corrosivo, continuam lutando para impedir as reformas saneadoras! E desafiam a Justiça do País, apoiados por notórios violadores da lei, especialistas em promover invasões de terras e de prédios, sob a alegação de que o “direito” por eles ditado é que deve prevalecer sobre o que foi aprovado pela Constituinte ou pelo Poder Legislativo. Investigada senadora da República, defensora no Brasil do ditador Nicolás Maduro, chegou a dizer que, se Lula for condenado e preso, haverá mortes!
Infelizmente, todo este cenário de desajustes, em que bons e maus se unem para impedir o avanço das reformas necessárias, objetivando garantir seus privilégios, concentra-se na capital do País, cidade absolutamente divorciada da realidade brasileira e em nada semelhante à de um país como, por exemplo, a Suécia, onde os magistrados da Suprema Corte vão de bicicleta ou de trem para o tribunal, o que não se vê no Brasil.
Quem estuda a Revolução Francesa se impressiona com a alienação da corte de Luís XVI sobre a realidade francesa, que resultou, em 1789, na insurreição e, dois anos depois, na derrubada do próprio Luís XVI e de sua corte, quando se instalou a denominada Era do Terror. O comportamento pessoal de Maria Antonieta e Luís XVI, mesmo na prisão, antes do cadafalso, foi de muita dignidade, lembrando que há pedido de reabertura do processo de beatificação de sua irmã. Mas foi sua brutal insensibilidade ante a realidade francesa – a frase atribuída a Maria Antonieta “se o povo não tem pão, que coma brioches” é paradigmática – que levou à queda de todo um regime, abrindo espaço aos desmandos, à execução de Robespierre e ao domínio posterior de Napoleão.
A corte de Versalhes estava distanciada da realidade francesa, como a corte brasiliense de burocratas e políticos está distanciada das necessidades brasileiras, pouco sensível ao alerta de especialistas no sentido de que, se tais reformas não vierem, o Brasil dificilmente sairá da crise, apesar de alguns resultados positivos do atual governo, não obstante as resistências, com inflação abaixo da meta (menos de 3%), PIB positivo, juros bem inferiores aos do período Lula-Dilma, emprego em alta, maior saldo da balança comercial, etc.
Quando, como mostrou Ruy Altenfelder em artigo neste jornal, a média de pagamentos previdenciários para os servidores públicos da União está em torno de R$ 15.800 mensais e para o povo, que sustenta tais benefícios (regime geral), é de R$ 1.900 – nenhuma diferença é tão grande em todos os países desenvolvidos ou emergentes de expressão –, é de perceber que a elite brasiliense, como a corte de Luís XVI, é hoje o principal obstáculo a que o Brasil progrida. A ela se acresce o populismo daqueles que levaram o País, no passado, ao caos econômico e à corrupção deslavada.
“Quousque tandem abutere patientia nostra?”, diria Cícero à corte brasiliense, se vivesse no Brasil de 2018.
* Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-Sp
** Publicado originalmente no Estadão (24/01/2018)