• Leonardo Faccioni
  • 23/04/2015
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ATRAINDO POLÊMICA: MARIA DO ROSÁRIO EM ZERO HORA

Zero Hora, o principal jornal do sul do país, indagou em reportagem dominical o porquê de a deputada gaúcha Maria do Rosário Nunes (PT), notória flor de candura, “atrair tantas polêmicas” nas redes sociais. Diversas entrevistas rechearam a matéria, todas à guisa de canonizar seu objeto, com tintas dignas de mocinha de romance romântico.

Tais genuflexões à esquerda, vez ou outra mais chamativas — como no caso — e, de outro modo, quotidianas, sempre cativaram minha atenção. Fazem-no, primeiramente, pela linguagem. A parcialidade entrega-se logo de cara. Vale anotar que não vejo mal algum na parcialidade em si — a bem dizer, jornalismo imparcial é expressão beirante ao oximoro. Tanto assim que, nas grandes capitais do mundo democrático, jornais impressos de linha editorial “conservadora” e “progressista” rotineiramente se confrontam pela preferência do público, sem esconder a distinção de valores entre um e outro. No Brasil, o “monopólio de fato” (ou, em São Paulo, o “cartel”, digamos assim) contribuiu à hegemonia petistóide sobre a imprensa. Mas deixemos a digressão para depois.

Quando essa espécie de mídia obriga-se a apresentar uma personalidade liberal ou conservadora que, à revelia sua (da mídia), fez-se notória entre o público, o primeiro adjetivo que lhe aplicam vem embalado na seguinte fórmula: “Fulano de Tal é polêmico”, ou “sustenta opiniões polêmicas”, de modo que a polêmica lhe é intrínseca. Serve como alerta ao público para manter distância do problema. Rosário, todavia, “atrai polêmicas”. Eis um convite para que alguém a defenda: a coitadinha não o escolheu, é uma vítima das circunstâncias. Como o sujeito que andava pela rua e, “pimba!”, atrai um raio em dia ensolarado. “Polêmicos são os outros, os que a perseguem, não ela”. A linguagem, dizíamos, os revela.

Se a embalagem é reveladora, o conteúdo mistifica. Não façamos como eles, pois. Sejamos sintéticos. Por que será que Maria do Rosário, vá lá, “atrai polêmicas”? Conheço tipos como Rosário desde que me entendo por gente (sim, acompanho política e atento aos petistas desde então). Sempre disseram aquilo que bem entenderam, sob a simpatia de todos os tradicionais “formadores de opinião”, passando-se por pontífices incontestáveis inclusive nas maiores barbaridades. Detinham o monopólio da agressão, da afronta, do achaque, do ataque, mesmo da ofensa — e o exerciam com gosto. “Polemizavam” em monólogos furiosos contra tudo e todos — e nada, nem ninguém, atrevia-se a “polemizar” com eles. Rosário já estava lá.

Foi a dinamização das redes sociais a possibilitar que o brasileiro médio respondesse às Rosários de muitos nomes, e a ação educadora de personalidades como Olavo de Carvalho (com bibliografia e cultura fartas, outrora inacessíveis em Terra Brasilis, país até então submetido a verdadeiro bloqueio editorial) a lhe permitir discernir as raízes profundas de comportamentos verdadeiramente alucinados como os da parlamentar, que veementemente [so]nega a realidade em favor da ideologia — algo que, de outro modo, chocava a população ao ponto de torná-la atônita, balbuciante apenas, e que hoje, e somente hoje, as pessoas comuns descobrem palavras aptas a verbalizar.

Rosário “atrai polêmicas” porque, na companhia de seus partidários, dedicou a vida a procedimentos calculados com o estrito fito de destruir a sociedade e assaltar o patrimônio moral de cada cidadão. Não se trata, aqui, de um libelo contra sua pessoa: é precisamente essa a estratégia preconizada por Marcuse, autor caríssimo à “new left” e, pois, ao partido governante. Seus passos envolvem o fomento ao crime, a promoção intransigente e sistemática de elementos disruptores da paz social, a despersonalização do criminoso — especialmente o mais violento —, que deixa de ser indivíduo responsável por seus atos para se converter em “vítima do sistema”. Um sistema, pois, que se há de sabotar.

Rosário e o PT desejam ardentemente o caos e a falência da legalidade, crentes de, com seu advento, poderem reconstruir, sobre a ruína da “sociedade burguesa”, sua própria e particular utopia. Assim está escrito, não por seus críticos, senão por seus inspiradores — e é ela própria, e bem assim os documentos internos de partidos como o seu, a reconhecerem-no.

Rosário “atrai polêmicas” porque aqueles a quem ela tenciona destruir, vejam só!, após cinquenta anos encontraram, pela primeira vez, armas — retóricas — com as quais se defender. E defendem-se como podem: ela os bombardeia com os canhões dos jornalões; o orçamento de quarenta ministérios; projetos de lei no parlamento; ativismo judicial o mais fraterno; o apoio de toda a base alugada; a cumplicidade da academia sitiada, onde o debate há muito morreu. Os brasileiros respondem com as pistolinhas d'água de comentários em redes sociais. E, ainda assim, a valente parlamentar, com suas “décadas de luta”, corre em afetação histérica a cada gotinha de H2O que respinga em suas madeixas guerreiras.

Ao contrário do que infere o jornal, o público pensante não responde a Rosário, nem a satiriza, por uma “compreensão insuficiente de sua luta por direitos humanos”. Enquanto não a compreendiam, estavam calados. Compreendem-na agora, e otimamente. Por isso resistem.

Muitos dos novos debatedores são leitores inveterados, autodidatas, conhecedores do “status quaestionis” a nível internacional e confiantes na busca da verdade — julgada existente e cognoscível. Foram estes a primeiro diagnosticarem, na parlamentar e alhures, a ilogicidade deliberada do discurso que, em nome dos “direitos” [deturpados], mina cada fundamento da sociedade que os tornou possíveis [onde legítimos]. Matérias como a de ZH são autorreferenciais precisamente por isso: caso franqueassem espaço equânime a quem realmente polemiza com Maria do Rosário, todo o argumento vitimista sairia fragilizado, mocinhos e vilões embaralhados, e o público, apto a formar, por si, sua opinião a respeito. Um disparate. Não foi para isso que, de partida, encomendou-se a reportagem.