(Publicado originalmente na Gazeta do Povo e no Diário de Londrina)
No dia 5 de março de 1953, morria Josef Stalin. O ditador soviético sofreu um derrame na sua casa de campo, mas só foi atendido com 12 horas de atraso. Entre os assessores e seguranças, ninguém ousou chamar um médico sem a anuência do líder (até porque os últimos médicos a atendê-lo estavam presos e sendo torturados, sob denúncia de conspiração).
Quando, enfim, chamou-se uma equipe clínica, os médicos tremiam ao examinar o tirano semiconsciente. Era tarde demais. Logo Stalin deixou o mundo para entrar na história, aos 73 anos. Roubara antes 20 milhões de vidas.
Nos funerais de Stalin, houve choro e ranger de dentes. Enquanto Béria, Kruschev, Malenkov, Kaganovich e outros iniciavam uma luta de morte pela sucessão no Estado, milhares de súditos soviéticos acotovelaram-se para dar adeus ao líder. Houve pânico e pisoteio. O corpo embalsamado de Stalin ficaria exposto no Mausoléu de Lenin por alguns anos.
Numa aula magistral, o filósofo Olavo de Carvalho falou certa vez sobre a ideia de conversão. Segundo ele, a diferença entre a vida e a morte encontra-se na dimensão proporcionalmente ocupada pelo espírito. Em vida, o espírito é um ponto isolado entre sensações, desejos, temores, enganos, lembranças, impulsos. Depois da morte, a equação se inverte: o mundo material torna-se uma ilha perdida no mar do espírito.
Não nos é concedido o direito de especular sobre a salvação ou perdição de um ser humano; esse é um mistério que pertence a Deus. Mas podemos imaginar que a conversão de um ditador pela morte seja, no mínimo, uma experiência traumática. Ao homem que mantém um grande poder sobre o mundo material certamente não agradará ser reduzido a um pontinho na dimensão do espírito. As multidões podem chorar à vontade: não adianta. O Guia Genial dos Povos está morto.
A doença e a morte não são as únicas semelhanças entre um ditador e seus súditos. Morre a pessoa do ditador, mas não morre o ditador dentro das pessoas. Os seguidores continuam a pensar e agir conforme os esquemas mentais do líder. Querem calar ou prender quem pensa diferente; veneram o Estado; defendem a censura (ou “controle público da mídia”); exigem respeito absoluto aos símbolos pátrios; pretendem dar lições de cidadania ou educação moral e cívica; confundem crítica ao governo com ofensa ao país; identificam opositores como “inimigos do povo”.
Hugo Chávez morreu no dia 5 de março de 2013, exatamente 60 anos depois de Josef Stalin. São líderes diferentes, sem dúvida. Mas ambos foram pranteados por multidões e tiveram os corpos embalsamados. Pessoalmente, não acredito em coincidências; acho que Deus estava querendo passar uma mensagem com a repetição de datas e cenas. Talvez Ele esteja mostrando que algumas coisas permanecem iguais.