• Alex Pipkin, PhD
  • 06/05/2023
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As dádivas

 

Alex Pipkin, PhD
       Nesse país chamado Brasil, em que se cultuam e se iluminam os vícios do fracasso, em detrimento dos valores virtuosos da prosperidade, faz tempo que a virtude moral se escafedeu para bem longe. Difícil de encontrar.

Ainda mais que, além do falho espectador imparcial tupiniquim de Adam Smith, essa virtude-mor aparenta ter pouco impacto em relação aos outros. Na verdade, banalizou-se a moral virtuosa.

Cá entre nós, esse comportamento se baseia em normas adquiridas pela educação, pela vilipendiada tradição, segundo o figurino marxista, e pelo corriqueiro dia a dia.

Evidente que a virtude moral se sustenta no uso da razão, assim, quando quase tudo é embuste e pura paixão, o que menos se mira são comportamentos virtuosos.

Na década passada, estudando Antropologia, debrucei-me sobre a obra “Ensaio sobre a Dádiva”, de Marcel Mauss.
De acordo com a Teoria da Dádiva, alicerçada no dar, receber e retribuir, essas ações criam vínculos entre as partes envolvidas.

Nada há de errado na demonstração de afeto e de estima com a doação, e Mauss atribui o maná ao doador, como uma espécie de força espiritual, que representa dar algo de si mesmo. A noção de dádiva gera uma relação de reciprocidade, criando-se uma “certa” dependência para com o outro, o doador.

Reciprocidade faz parte da natureza humana, em todos os tempos, um valor subjetivo, embora eu creia que exista algum tipo de interesse em qualquer tipo de relação humana.

No entanto, os brasileiros, especificamente, estão contaminados por uma reciprocidade maligna, que vai muito além do terreno das gentilezas.

No meio político, das paixões cegas, o doador usa e abusa de suas dádivas, a fim de exigir fidelidade aos seus correligionários mesmo que a partir de atos espúrios, e/ou pressão sobre populares que recebem migalhas e favores em troca do sagrado e “democrático” voto.

Na grande maioria dos governos, partidários devotos entram de lambuja na administração pública, fazendo a festa com o dinheiro público, e asfaltando os caminhos para a vergonhosa corrupção. Cabe destacar que o esporte nacional favorito público-privado, é o compadrio, em que a bola rola livremente para que grupos econômicos manipulem seus compadres agentes públicos com enormes dádivas, na forma de apartamentos, de sítios, de viagens e de outras coisas à mais. Bela dádiva, compartilhada somente entre agentes estatais, seus comparsas e os amigos do rei! Triste banalização!

É justamente por isso que penso que aquela máxima que diz que o Brasil é o país do futuro, parece-me correta, apenas com uma adição, futuro esse que nunca chega.

A nossa principal crise, além de todas as outras, é de ordem moral, já que houve uma ruptura da ética, tanto em nível de grupos sociais quanto de indivíduo. O Brasil de hoje é palco do vale tudo, com direito a milhões de aplausos.

O presente, e o futuro, aparentam ser sombrios.

Evidente que as soluções são claras, porém, o que adianta conhecê-las se não há disposição nas distintas esferas para corrigir o que qualquer comum enxerga. Pelo contrário, os incentivos institucionais retroalimentam às dádivas do mal.
Numa cultura ética, as dádivas representam coisas benéficas para o bem comum, já no Brasil, a reciprocidade verde-amarela tem sido um ingrediente infeccioso para a harmonia no tecido social, e para o desastre político, econômico e social.

No país, as dádivas da gentileza e da tradição, transmutaram para o mecanismo central da maracutaia e da corrupção em geral.