Na política, as virtudes, com muita facilidade, se transmudam em erros, defeitos e vícios. Devemos a Aristóteles, que escreveu sua obra no século III AC, a clássica definição das virtudes como o ponto intermediário de um continuum limitado por extremos, o principio da (mesotés), também conhecida como “justo meio”, ou, na linguagem mais comum, a afirmação usual de que “a virtude está no meio”.
Assim, a coragem é uma virtude situada no centro do continuum cujos extremos são a covardia e a temeridade. Todas as virtudes humanas, alcançáveis pelos homens comuns, ocupavam este posicionamento central entre dois extremos.
Para ele a virtude maior da política era pois a Prudência (Phronesis), pela qual o homem político ordenava sua conduta de forma a praticar a virtude – o meio entre os extremos.
Prudência para Aristóteles, e para os pensadores políticos, nada tem a ver com o nosso correspondente sinônimo, “cautela”.
Prudência é uma virtude de cúpula, ética e politicamente. Ela corresponderia a “sabedoria moral”, que é o fim último, o objetivo final do desenvolvimento moral. Prudência é, pois, sabedoria, isto é: conhecimento + experiência. Para ele, prudência é a virtude peculiar ao governante. As demais virtudes como a coragem, a justiça, a temperança, são compartilhadas por governantes e governados, ainda que de forma diferente.
Com o passar do tempo, o conceito de prudência desvirtuou-se, passando a ser associado a “cautela”, “cuidados”, “experiência”, (mas, neste contexto, dissociada de sabedoria), “conservadorismo”, “idade” etc.
Na política prática é, pois, muito comum confundir virtudes, e praticá-las sem levar em conta as regras da prudência política.
Um dos exemplos mais comuns, neste aspecto, é a confusão que existe na caracterização do atributo “coragem”. Assim, define-se uma pessoa corajosa como aquela que se dispõe a assumir grandes riscos, comprometer-se com metas e objetivos muito difíceis de alcançar, que não teme perigos, que se expõe a perdas pessoais e políticas de grande vulto, que não hesita em enfrentar forças muito maiores que as que possui.
Confundem, pois, coragem com voluntarismo emocional, imprudência e precipitação.
Na linguagem precisa de Gracián encontra-se esta observação de grande sabedoria:
“Os tolos não devem ser ousados, assim como os virtuosos não devem ser temerosos”
A frase de Gracián recoloca a questão da coragem na política nos seus devidos termos. A coragem é uma qualidade a serviço de uma causa, e subordinada a uma estratégia, e não uma explosão emocional.
A Prudência ensina que o verdadeiro político nunca perde o controle. Consegue isto porque é capaz de dominar seus sentimentos e paixões. São pessoas que não se permitem muita familiaridade consigo mesmos. São assim, capazes de negar-se gratificações que desejam, para não prejudicar os objetivos maiores.
Quando a paixão toma conta do pensamento, a razão vai para o exílio. A imaginação comandada pela paixão, salta à frente da realidade e torna as coisas mais sérias, ameaçadoras e graves do que realmente são. Ela imagina não apenas o que existe, mas também, o que pode vir a existir, passando logo para o estágio de considerá-lo já em existência.
A Prudência é o oposto do comportamento passional. Pessoas prudentes procuram evitar as atitudes extremas. Sobretudo naquelas situações verdadeiramente perigosas, em que nosso julgamento pode ficar suscetível a ser atraído por soluções extremas. Um perigo nos conduz a outro maior que o primeiro, e, nessa sequência chegamos à beira do desastre político ou pessoal.
Não esqueça nunca que ninguém comanda outros se não consegue comandar a si mesmo, e o líder relegitima sua condição quando, “em meio à loucura geral, permanece são e equilibrado”.
A verdadeira coragem está em evitar o perigo, o desastre, a perda, e não em vencê-los.
* PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA, PÓS-GRADUADO PELA UNIVERSIDADE PRINCETON, EX-REITOR DA UFRGS, É CRIADOR E DIRETOR DO SITE WWW.MUNDODAPOLITICA.COM