O projeto de lei que se apresenta como defensor da verdade e contra a disseminação de fake news na internet foi aprovado por 44 dos 81 senadores. E, para variar, alguns meios de comunicação noticiaram o fato de uma forma, no mínimo, curiosa, como é o caso da Folha de S. Paulo, que começa a matéria com a frase: “Em uma derrota para o governo Jair Bolsonaro, o Senado aprovou nesta terça-feira (30) o projeto de lei sobre fake news.”
O que importa para a Folha é ressaltar – e comemorar – que o governo foi derrotado, mas ao usar tudo e qualquer coisa para “provar” que o governo é antidemocrático, ocultaram o fato de que quem sofreu um forte golpe com essa aprovação foi a democracia. Afinal de contas, uma das premissas da verdadeira democracia – não da democracia fake – é o respeito à individualidade e à privacidade. São as ditaduras reais – não as que só existem na cabeça de alguns – que exercem controle sobre seus cidadãos, tirando deles até mesmo o direito à liberdade de expressão.
Ao longo dos anos, muita gente já vem abrindo mão de suas opiniões por conta do “politicamente correto”, que troca a verdade dos fatos por ilusões agradáveis, tudo em nome de um pseudo respeito ao próximo. Nas redes sociais não faltam pessoas que dizem preferir o tapa da verdade do que o beijo da mentira, mas isso é que não passa de fake news. Experimente dizer a verdade e você correrá o risco de ser “cancelado”.
E a verdade é que o projeto de lei das fake news esconde perigos reais, como a rastreabilidade, que acaba com o direito de sigilo nas conversas de qualquer pessoa. Mensagens privadas em aplicativos e redes sociais passarão pelo crivo de “checadores”, que poderão interpretar as conversas como desejarem, além de poderem usar os dados dos usuários como bem lhes convier. Sim, nós estaremos à mercê de “checadores”, enquanto muito adolescente que apoia o PL “em prol da verdade” acha que invasão de privacidade é quando os pais entram em seu quarto sem bater na porta...
Quem acha que isso não é nada porque “quem não deve não teme” e que, para não ter problemas, basta “dizer a verdade”, caiu direitinho na armadilha dos ditadores do judiciário. Afinal de contas, quem vai definir o que é verdade e o que é fake news? Quem vai fazer parte do “tribunal da verdade suprema”? Quem serão esses “checadores” das verdades absolutas?
Essa é mais uma distorção inexplicável que acontece em um país onde os cidadãos reclamam dia e noite dos desmandos dos políticos, mas, ao mesmo tempo, não percebem que, ao concordar – ou ficar inerte – com esse tipo de coisa, estão conferindo a eles cada vez mais poder. Além disso, ignoram completamente que a primeira função do Poder Judiciário é garantir os direitos individuais.
O governo brasileiro já nos cerca de todos os lados. Compre um carro, uma casa ou abra um negócio e o governo estará lá, levando sua parte, quer dizer, “fazendo sua parte”, que você já sabe bem qual é. Os governantes, por enquanto, só não têm acesso ao que fazemos dentro de nossas casas e é justamente aí que desejam entrar, afinal, essa lei esdrúxula poderá funcionar como uma escuta dentro da casa de cada um de nós, além de ser uma mordaça para que ninguém se atreva a dizer o que não convém às pessoas que terão o poder de decidir o que é verdade e o que é fake.
A Câmara dos Deputados tem o poder de engavetar esse absurdo e, em última instância, o presidente da República pode vetar um projeto de lei quando ele se opõe à Constituição ou contraria o interesse público. O presidente Jair Bolsonaro aventa a possibilidade de fazer uma consulta pública para que nós, o povo – de quem o poder emana em uma real democracia –, tenhamos a oportunidade de pôr fim a mais esta ideia delirante.
Por hora, aproveito meu direito à liberdade de expressão, pois, até onde sei, ainda é possível fazer isso sem sofrer represálias. Estejamos atentos ao que vem por aí.
Autora
Patricia Lages é autora de 5 best-sellers sobre finanças pessoais e empreendedorismo e do blog Bolsa Blindada. É palestrante internacional e comentarista do JR Dinheiro, no Jornal da Record.