Era de se esperar. Mal iniciaram os rumores da possibilidade de nomeação da juíza Amy Coney Barret para a cadeira da Suprema Corte Norte-americana, a extrema mídia entrou em ação com suas adjetivações de praxe, sendo a mais previsível delas - e démodé se é que podemos assim dizer - a de "ultraconservadora". De fato, Amy é conservadora e esta foi, sem dúvida, a qualidade que definiu o perfil a ser eleito para compor o vazio deixado pela juíza Ruth Bader Ginsburg - progressista em atos, palavras e julgamentos. Numa coisa a mídia vermelha acertou: a vacância da juíza Ruth Ginsburg foi um terremoto. Uma bomba inesperada caída sobre seu colo, impossível de desarmar e que, nas mãos de um especialista do campo inimigo, poderia gerar danos incalculáveis e irreparáveis.
Para o azar da esquerda, essa foi a exata conjuntura que se desenhou. E para um conservador, que roga e prima pelo divino, coincidências não existem, mas providências sim.
O presidente Donald Trump tomou a decisão e mostrou a correção da medida, elegendo o que era necessário para a retomada do Estado de Direito na América, primando pela diretriz do rule of law. Mas a sagacidade e inteligência do mandatário americano não fica exposta somente pelas opções jurídicas, mas pela rapidez e precisão da ação em momentos de crise. Isso mostra que por trás de cada decisão, há trabalho de inteligência e planejamento estratégico com cenários muito bem definidos para qualquer situação que venha a ocorrer. E por isso, ele consegue sair bem das crises e, provavelmente, será reeleito.
Sobre a reeleição de Trump, me permito por um momento fazer um exercício de futurologia, com pitada de torcida. E creio, por tantas providências que têm ocorrido, que esta será mais uma. Por outro lado, gostaria de crer que, acompanhadas dessas providências, outras pudessem baixar os trópicos e desembarcar no Planalto Central. E quais providências seriam estas? Bom. Em minha opinião, uma delas seria receber o episódio como aprendizagem. Ainda há tempo.
Em meu tempo como magistrado, e apaixonado pelo tema constitucional, debrucei-me por alguns anos sobre o debate das reformas necessárias para a implantação do real Estado de Direito no Brasil, onde a lei seja, de fato, materializada na vida dos cidadãos e não venha como mera ficção jurídica quase antagônica à realidade, em certas circunstâncias. Na verdade, o relativismo jurídico proposto pelo ativismo exacerbado (entre eles, o judicial) acabou instalando um estado de insegurança jurídica tal que fica difícil para qualquer cidadão não constatar, a olho nu, o desrespeito à Constituição onde quer que possamos ir. Mas esse é um assunto para outro momento.
Chamo atenção aqui para um fato. Nesta caminhada, refleti que o presidente eleito em 2018, se reeleito, teria a oportunidade de mudar o cenário da Suprema Corte Brasileira. Isso porque, em um primeiro mandato, poderá indicar 02 ministros, e em eventual segundo mandato (caso reeleito) mais 02 ministros, se tivermos por base o critério de aposentação compulsória instituído pela Constituição. Em 08 anos, seriam 04 nomes de 11 indicados, potencialmente - em caso de reeleição - por um único presidente.
Assim, para que pudéssemos retomar o rumo do Estado de Direito, onde a letra da lei prevaleça sobre o ativismo, qual seria o perfil de ministro capaz de atingir aos anseios da população que clamou por mudança de rumos nas últimas eleições, inclusive lançando duras críticas ao sistema normativo? Em minha opinião, já dividida há anos com muitos dos colegas, seria este: 1- um (a) magistrado (a) de carreira; 2- um (a) magistrado (a) conservador (a), de hábitos e princípios provados; 3- um (a) magistrado (a) de pouca idade, que tenha perspectiva de longa vida na Suprema Corte. Entendo que estas três características somadas conseguiriam cumprir com o perfil ideal ao cargo, considerando que uma pessoa da carreira da magistratura tenha a vocação e aptidão natas ao julgamento, tendo sido testada em diversas ocasiões quanto à própria competência no exercício do ofício, e sendo ela conservadora provada em diversas ocasiões (a partir não só de trabalhos e opiniões públicas como de vivência também - pois lembrem-se: o conservador, antes do discurso, pratica o conservadorismo, sendo forjado na vida doméstica, laboral, religiosa, social, etc), bastaria ser de pouca idade para que pudesse ter tempo para realizar, junto às futuras gerações, um trabalho capaz de fincar raízes no sistema jurídico.
Nunca conversei com Trump. E como falamos em minha terra: "quem sou eu na fila do pão"? Mas o presidente americano fez exatamente isso!
Amy Coney Barret tem 48 anos, e serve como juíza na 7a Corte de Apelações. Poderia descrever aqui o currículo da nova Justice e ressaltar que além da formação jurídica extensa, sendo professora de matérias como direito processual civil e direito constitucional, ainda tem proficiência nas áreas de literatura inglesa e artes. Mas dois fatos especiais chamam a atenção. Amy trabalhou diretamente com ninguém menos que Justice Anthonin Scalia (conservador que deixa saudades) e é mãe de 07 filhos, que têm idades entre 08 e 19 anos. Inclusive, no discurso de apresentação da nova Justice, o Presidente Trump ressaltou este fato e lembrou que a Suprema Corte Americana recebia naquele momento a primeira mulher mãe de criança em idade escolar na história dos EUA. E agradeceu, gentilmente, aos filhos presentes por dividirem sua mãe com a América.
Em suas primeiras palavras, Amy foi econômica mas, como boa conservadora, foi grata a quem muito lhe ensinou - Antonin Scalia. Ressaltou o aprendizado que teve sobre a capacidade de divergir e, ao mesmo tempo, aproximar-se do outro, respeitando-o. Além disso, declarou paixão ao seu país e a Constituição Americana e, como era de se esperar, assumiu o compromisso público de primazia da lei e rechaço ao ativismo judicial, com a consequente retomada dos rumos do rule of law.
Bingo! A bomba explodiu. Seus efeitos serão sentidos por muito tempo e honrarão o trabalho dos founding fathers. Tudo porque o especialista estava preparado para a coincidência. Ou para a providência.
Que tenhamos especialistas. E se não tivermos, que ao menos tenhamos pessoas humildes para aprender com eles.
A receita está dada.
26/09/2020
Publicado no Jornal Tribuna Diária, em 27.09.2020.
*O autor é magistrado