O ex-presidente do Uruguai, José Pepe Mujica, durante a visita de uma comitiva petista à sua chácara, através de uma gravação disponível nas redes sociais, sentenciou solenemente: “Lula não é uma pessoa, é uma causa. Estão construindo um mito”.
Por incrível que pareça, o agricultor montevideano tem lá uma fração de acerto, diminuta, é verdade, mas tem. Contudo, para que possamos melhor elucidar esta sua digamos, profecia, alguns reparos se fazem necessários. Antes, porém, é necessário proceder numa correção.
O detento que desfruta de generosos 15 metros quadrados de cela com direito a banheiro privativo, acesso a livros, duas janelas e cama com colchão no quarto andar de um prédio da melhor alvenaria que dispõe de segurança 24 horas, portarias e é mantido bem vigiado junto à Rua Professora Sandália Monzon, número 210, na aprazível Curitiba, permanece uma pessoa. Tanto que “recebe visitas familiares e sociais semanais (inclusive de integrantes da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal), além de atendimento médico”, conforme assinalou a juíza Carolina Lebbos em recente e acertada decisão.
Procedida esta atualização, passamos aos pequenos ajustes iniciando por aquele que diz respeito à “causa”. Sem dúvida, o encarcerado curitibano materializa uma. Esta, a par de pública e notória, tem seus laços praticamente algemados a três importantes ramos do Direito Público, a conferir: Penal, Processual Penal e Penitenciário.
Acerca do primeiro, basta lembrar que a condenação de um ex-presidente pela prática criminosa de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores é inédita na República. Em termos processuais, cabe enfatizar que todas as decisões desta ação, da sentença proferida pelo ex-juiz Sérgio Moro, passando pelo acórdão unânime do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e desaguando no despacho contundente do ministro alemão naturalizado brasileiro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), resultaram numa sólida jurisprudência. Por fim, na seara penitenciária, atualmente a mais badalada, o prontuário da “causa” registra desde visitas de familiares até “inspeções” por congressistas, aconselhamentos eleitorais e bilhetinhos manuscritos.
Para encerrar, no que concerne ao “mito”, trata-se mesmo de um, mas relacionado ao “mundo do crime”. Afinal, não é qualquer condenado que pode se jactar de possuir um veredicto de 560 laudas ornado com 65 referências aludindo “organização criminosa”, outras 145 com “corrupção passiva” e mais 78 por “esquema criminoso”. Isso, convenhamos, não é patamar para ladrão bissexto ou pé-de-chinelo. É uma deferência, uma pompa às inversas para quem prometeu solenemente "cumprir a Constituição e observar as leis" (art. 78 da Constituição Federal) e depois a traiu em troca de um apartamentão triplex.