É inacreditável que uma cópia exata da narrativa utilizada nos Estados Unidos para deslegitimar o resultado inconveniente das urnas e impedir o eleito de governar conseguiu o domínio completo da pauta a uma semana da eleição brasileira.
"Inacreditável", claro, é uma hipérbole. A serpente argumentativa há muito vinha sendo chocada. A histeria sobre "notícias falsas", com mira conveniente apenas nas imprecisões ou nas bobagens inócuas dos notórios "tiozões do Zapzap", cumpria à perfeição a função de espantalho para que os donos da opinião pública justificassem sua impotência.
É como se a realidade dos últimos anos -- a corrupção, a insegurança, a anomia cabal -- fosse de uma insignificância atroz, e o populacho vivesse em um mundo paralelo de notícias mirabolantes e credulidade absoluta em linhas de texto tecladas no celular.
Os desapossados senhores da opinião pública imaginam o eleitorado à sua imagem e semelhança, mas invertido como em um espelho: os que vivem do consumo exclusivo das obsessões lúbricas da universidade e da imprensa pensam que o seu Zé da Padaria, o Chicão da linha de produção e a cabeleireira Wanda, todos com dinheiro contando até o fim do mês e sobreviventes do quinto ou sexto assalto, pudessem se apartar da realidade no mesmo grau dos doutores da lei que vivem de honorários criminosos; dos parlamentares encastelados na Ilha da Fantasia; dos jornalistas que recebem na Pessoa Jurídica e pagam por fora o décimo-terceiro do segurança da babá.
Há mais de ano os editoriais autorizados vociferam: tudo o que compromete o consenso social democrata do Projacquistão é "fake news", e o fato mesmo de o Projacquistão, pela primeira vez, não conseguir pautar uma eleição torna a deliberação eleitoral ilegítima.
Quem quer que tenha experiência de campo em disputas eleitorais contra a extrema-esquerda (pode ser de eleição de DCE a corrida de prefeitura de interior: a dinâmica não muda em essência, apenas em proporção) conhece o talento petistóide para a desinformação e para a calúnia. Foram sempre especialistas em incinerar reputações de adversários na base da farsa, do "smearing", da boataria sensacionalista. Mestres do ofício décadas antes das mídias sociais, fizeram-se pioneiros na manipulação também destas: até hoje a campanha de Dilma Rousseff responde pelo uso de robôs digitais e financiamento ilícito para mídias subordinadas.
De repente, a dona Marocas da Quitanda compartilhando nota do site RepúblicaDeValparaisoPontoCom que imputa a Haddad a "distribuição" do KitGay (que existiu tal e qual noticiado, mas - oh!, que radical injustiça! - acabou parcialmente abortado sob pressão congressual posterior ás denúncias) é vicio insanável, que clama ao TSE por anulação de eleições presidenciais.
O partido que está sob fortes suspeitas de receber aportes milionários de ditadores estrangeiros (a quem o dinheiro público brasileiro financiou durante seu governo) inverte magicamente a acusação, sem uma prova sequer, para dizer que seu adversário abusa de poder econômico ao promover correntes de WhatsApp não vistas, até hoje, por ninguém.
Os critérios a que o petismo desesperado se agarrou de uma semana para cá tornariam retroativamente ilegítimas todas as vitórias eleitorais do partido, desde o primeiro grêmio estudantil na biografia do Zé Dirceu.
Essa hipocrisia cínica é revoltante e odiosa, mas não prosperará. Vão perder, e vão perder feio - como lhes é merecido. O chato será aguentar durante anos o novo mimimi dos mesmos que enchem os ouvidos sobre o "gópi" até aqui.
* Do Facebook do autor.