Antecedentes geopolíticos
O encanto do Eldorado Amazônico, que atraiu a cobiça dos aventureiros europeus a partir do século XVI, converteu-se em atrativo moderno de potentados globais, ONGs globalistas e mídia engajada pela condição de última fronteira biológica e mineral e reserva de 20% da água potável do planeta.
A Bacia Amazônica é um bioma fechado e isolado do restante do continente. Confinada entre os Andes e o Atlântico, o planalto central e o maciço guianense, tem o rio Amazonas como eixo gravitacional e espinha dorsal de uma rede de 20 mil Km de vias navegáveis vitais para a circulação humana.
O rio Ganges, na Índia, tem função geopolítica semelhante à do nosso Grande Rio. O território indiano mede 3.287.590 Km², sendo 15% menor do que a Amazônia Brasileira, que detém 4,2 milhões de Km². Os indianos ocupam todo o espaço habitável do país, enquanto que a população amazônica concentra-se nas grandes cidades ou está diluída ao longo dos rios e estradas, deixando grandes espaços vazios no interior. São apenas 16,5 milhões de amazônidas,enquanto a população da Índia é 77 vezes maior, com 1.282 bilhão.
O pensador paraense, Dr. Armando Mendes, alertou que o maior problema político da Amazônia é o seu vazio demográfico. É que, sem população, não há presença do Estado, agravado pela imensidade do território e grande distância dos centros nacionais. Por isso, a região sempre foi relegada à condição de latifúndio político.
A configuração compacta ajudou a preservar a integridade política e dá à Amazônia uma vocação autônoma. O Grão-Pará formou-se independente do Brasil, durante 209 anos, até o colapso do pacto colonial em 1823. Após a independência, eclodiu a Revolta da Cabanagem, entre 1835 e 1840, extravasando o ressentimento nativo contra a tirania e a exploração histórica dos colonizadores. Nesse turbilhão, a soberania nacional só foi salva graças ao patriotismo de Eduardo Angelim. A convulsão consumiu 20% da população total e foi sufocada pela força das armas, ao custo de um trauma que ainda sobrevive nos arcanos do inconsciente coletivo.
No final do século XIX, auge do ciclo da borracha, uma migração em massa de nordestinos povoou os afluentes da Calha Sul do Amazonas, atraída pela abundância da seringueira Hevea brasiliensis, de grande produtividade. A Calha Norte, onde predominava a planta Hevea benthamiana, de produtividade inferior, manteve-se intocada. Por isso, o norte do Pará, com área equivalente à da Itália, tem uma população igual à de Florença. Esse vazio de 1,5 habitante/Km² representa grande risco geopolítico à soberania brasileira.
As políticas governamentais para a Amazônia sempre foram reativas e descontínuas. Até a Primeira República, consistiram, basicamente, nas negociações de fronteiras, matéria em que muito devemos ao Barão do Rio Branco. A questão amazônica só aflorou à agenda nacional após o colapso do mercado da borracha, em 1914, o qual suprimiu 40% da balança comercial brasileira. Mesmo assim, a primeira providência concreta só veio no contexto da 2ª Guerra Mundial, quando Getúlio Vargas criou a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) e os territórios federais do Guaporé, Rio Branco e Amapá, sob inspiração do professor Everardo Backheuser, eminente geopolítico da época. Na Constituinte de 1946, houve pressões pela internacionalização da região, superadas pelo ex-presidente Arthur Bernardes, então deputado constituinte.
O governo Juscelino construiu a rodovia Belém-Brasília, em 1959/1960, para criar alternativa de acesso à região no caso de crise, como foi a dos apagões de Manaus e Belém, no fim da guerra, quando a frota de submarinos alemã bloqueou a foz do Amazonas.
O Programa de Integração Nacional das décadas de 1960 e 1970 focou na implantação da infraestrutura econômica regional, mas ficou inacabado devido à crise do petróleo. Nessa fase, criou-se a Zona Franca de Manaus, foram construídas as rodovias Transamazônica (BR-230), Manaus-Porto Velho (BR-319), Cuiabá-Santarém (BR-163) e Manaus-Boa Vista (BR-174) e a hidrelétrica de Tucuruí; iniciou-se a Perimetral Norte, e a COMARA concretizou a rede de aeroportos estratégicos. A partir dos anos 1980, os maiores investimentos foram a BR-364 (Cuiabá-Porto Velho) e as hidrelétricas de Girau, Santo Antônio e Belo Monte.
Situação atual
Os indicadores econômicos e sociais mostram que a região amazônica continua subdesenvolvida e que sua base econômica prossegue dependente do extrativismo e dos incentivos do governo federal. Todos os estados amazônicos seriam inviáveis sem as transferências obrigatórias da União. 43,1% da população (quase 7 milhões de pessoas) vivem abaixo da linha de pobreza (com US$ 5,5 por dia), mas o crescimento vegetativo é de 3,07 %, quase o dobro da taxa média nacional (1,8%). A renda per capita é pouco maior do que a metade da renda per capita nacional (56,7%), e o IDH (0,681) é inferior ao do País (0,727). A região contribui com apenas 8,6% para o PIB nacional, apesar de ser a maior e mais rica do Brasil em recursos naturais.
A Zona Franca de Manaus está estagnada e com tendência declinante, como demonstram os indicadores estatísticos. Entre 2010 e 2018, sua contribuição para o PIB do Amazonas caiu de 25,92% para 23,41%. Os benefícios originais da Zona Franca foram projetados para toda a Amazônia Ocidental, mas ficaram restritos à região metropolitana de Manaus. O modelo de desenvolvimento da Zona Franca de Manaus está esgotado.
O contexto estratégico é preocupante. Pressões ambientalistas e indigenistas de toda a ordem invalidam as políticas governamentais. Há uma campanha psicológica permanente contra o Brasil, sincronizando operações de mídia externas e internas. No entorno, proliferam a instabilidade política e os ilícitos transnacionais. Na Bolívia, expande-se o mercado de drogas. A Venezuela está em processo de fragmentação da ordem interna. O Peru, o Suriname e a Guiana encaram o problema da expansão chinesa. Enquanto isso, a gestão pública da nossa Amazônia trabalha de mãos atadas por uma legislação restritiva, produzida sem filtro estratégico desde 1988.
Se a economia permanece estagnada enquanto cresce a população, cai a renda per capita e prolifera a insatisfação social. O risco aumenta na proporção da taxa de crescimento urbano. A favelização das cidades ressoa o esvaziamento rural. A região amazônica precisa de novas alternativas de desenvolvimento, enquanto é tempo.
A propaganda adversa confunde preservação com sustentabilidade para inculcar resistência na opinião pública. Na verdade, o que tem de ser preservado é o equilíbrio ecológico, implícito no conceito de sustentabilidade, o que implica avaliar e compensar o impacto ambiental dos projetos.
No início do atual governo, a SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos) concebeu um rojeto para integração e desenvolvimento da Calha Norte. O programa, batizado como Barão do Rio Branco, seria o cluster geopolítico capaz de induzir a formação do mercado regional da Bacia Amazônica, com potencial de transformar Santarém em um entreposto similar ao de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, e catalisar um fluxo comercial contínuo entre Manaus e Belém. Consistia, basicamente, na implantação da ponte de Óbidos sobre o rio Amazonas e na construção da hidrelétrica de Cachoeira Porteira, no rio Trombetas.
A ponte Barão do Rio Branco iria permitir a integração do Amapá, assim como a parte do Amazonas ao Norte do Grande Rio e o estado de Roraima ao sistema rodoferroviário nacional, além de abrir a possibilidade de estender a BR-163 até a fronteira do Suriname. Com isso, o porto de Óbidos poderia tornar-se um importante modal hidro-rodo-ferroviário, por oferecer calado de 14 m no pico da vazante, permitindo a atracação de embarcações de 30 mil toneladas, assim reduzindo o frete hidroviário para exportação de grãos do Centro-Oeste.
A hidrelétrica de Cachoeira Porteira aumentaria a oferta regional de energia e estabilizaria o balanço de carga, afetado pela variação anual do regime de águas: quando a Calha Sul está na vazante, a Calha Norte está na cheia e vice-versa. A oferta de eletricidade permitiria a industrialização da bauxita no local, abundante em Oriximiná e Óbidos, criando uma vantagem competitiva para os municípios do Médio Amazonas.
No entanto, resistências dos ministérios da Infraestrutura e da Economia impediram a inclusão do programa no PPA (Plano Plurianual); e o esvaziamento da SAE terminou afetando a continuidade do projeto.
Conclusão
Relegada a Bacia Amazônica por muitas décadas, esvaziou-se o interior, cresceu a favelização urbana e estagnou-se a economia. A população ressente-se de abandono. O Brasil precisa criar condições para o empreendedorismo privado, aproveitando o potencial de recursos naturais existentes; revisar a legislação restritiva para adequá-la ao interesse nacional; enfim, recuperar a esperança do povo nativo. A criação de um mercado regional autônomo pode ser a solução definitiva para o desenvolvimento. A presença do Estado é a saída que garante a lei, a soberania nacional e a preservação das riquezas ambientais para as gerações futuras.