Manoel Soriano Neto
Salve 2 de setembro de 1822!
(Breves Considerações de Memorabília)
A Arquiduquesa de Áustria, Carolina Josefa Leopoldina Francisca Fernanda Beatriz de Habsburgo-Lorena, ou mais simplesmente, Princesa Maria Leopoldina, foi a primeira esposa de Dom Pedro I. O casal teve sete filhos, entre eles, Dom Pedro II. A Princesa, portanto, em linguagem moderna, seria a "primeira primeira-dama de nosso País" e, historicamente, a "Primeira Imperatriz do Novo Mundo"! Ela era filha do Imperador da Áustria, Francisco I, e aos 20 anos, em 1817 (já casada por procuração, desde maio, com Dom Pedro), veio para o Brasil, país que passou a amar, intensamente, como nos dão conta historiadores de tomo. Por relevante, diga-se que Francisco I foi quem negociou junto à coligação Portugal-Inglaterra, em 1825, os termos de nossa Independência, evitando, destarte, que esses dois países interviessem militarmente no Brasil recém-liberto, à custa, infelizmente, de muitas libras esterlinas que, para tal, tivemos de pagar; porém livramo-nos de uma guerra de consequências imprevisíveis, que já planejava a dita coligação. Aliás, Francisco I nada mais fez do que atender um pedido de sua filha, eis que a Princesa, em abril de 1823, escrevera uma carta a seu pai, em que declarava devotado amor pela nova Pátria, não mais Colônia portuguesa, e rogava o seu apoio, ou, pelo menos, a sua neutralidade, para com a nossa emancipação política...
E mais: Francisco I, atendendo a mais um pedido da filha, foi o grande fautor da vinda de alemães e austríacos para o Brasil – a primeira das grandes imigrações, ocorrida a partir de 1824 (o nome da colônia alemã de São Leopoldo, hoje cidade do RS, foi uma homenagem à Princesa). Já adiantamos que a cor heráldica da Casa dos Habsburgo-Lorena, uma das mais tradicionais dinastias europeias, era o amarelo-ouro, como o verde era a da Casa Portuguesa dos Bragança. Em face, pois, da união de Pedro e Leopoldina, as cores oficiais do Brasil, hoje, são o verde e o amarelo, sendo errônea, histórica e heraldicamente, a interpretação popular e lírica para elas, que evoca as nossas matas e as riquezas minerais, como o ouro: entretanto, mesmo equivocado, esse entendimento é válido também, em nosso sentir, pois robustece o sentimento patriótico. Anote-se que Dom Pedro era o Duque de Bragança, futuro Dom Pedro I, do Brasil, e futuro Dom Pedro IV, de Portugal, cognominado de "O Rei-Soldado". Desafortunadamente, máxime na atualidade, tais fatos são pouco conhecidos e divulgados. Mas quando se vê manifestações-monstro em que imensas quantidades de bandeiras nacionais são empunhadas; além de nas roupas de milhões de participantes predominarem as cores nacionais (concebidas por Debret, como abordaremos ao depois), assim como, de há muito, nas camisas "canarinho" de nossas seleções de futebol (penta campeã mundial), de voleibol, de basquetebol etc., deveríamos proceder a uma visada-a-ré, na relembrança da origem desse cromatismo histórico... Para tanto, é preciso aduzir-se, por ilustração e em apertada síntese, alguns registros básicos relativos a duas de nossas Bandeiras Históricas: a do 'Reino do Brasil' e a do 'Império do Brasil' e tecer sumárias considerações a respeito dos primitivos Lábaros e Bandeiras da humanidade.
Conta-nos a História da Antiguidade Clássica que o Imperador romano Constantino I, quando de uma de suas batalhas, viu no céu uma grande cruz com uma legenda "In Hoc Signo Vinces", cuja tradução vulgar é: "Com este sinal, vencerás". Daí para frente, as tropas das legiões romanas passaram a conduzir em seus estandartes ou bandeiras, o desenho da Cruz de Cristo. A esses estandartes (bandeiras ou lábaros) chamavam de "vexilos", sendo o seu condutor, o "vexilário" (porta-bandeira, hodiernamente). O costume foi transmitido às diversas tropas de todo o mundo, sendo a Bandeira, uma anímica motivação de estímulo, de incentivo, para os combatentes; era um gravíssimo ultraje ao pundonor militar, o inimigo capturá-la nos campos de batalha.
Segundo José Wasth Rodrigues, in "Dicionário Histórico-Militar" (são 86 volumes ilustrados!!), "vexilo", s. m., era a bandeira dos exércitos romanos e o pavilhão dos navios. Existiram entre os romanos, diversas insígnias deste gênero, que distinguiram a coorte, o manípulo etc., e que eram o "signum", a "flamula" e o "labarum". Quando do retorno vitorioso dos generais legionários à "Roma Quadrata", eles eram homenageados pelas multidões, com uma profusão de lábaros, pendões, flâmulas, guirlandas, guiões, estandartes, galhardetes, trombetas, cornetas, bombos e tambores, em indescritível espetáculo de exaltação patriótica. Contudo, enquanto os vitoriosos eram aclamados em apoteóticos desfiles, por determinação dos césares, um escravo os acompanhava, e, de tempos em tempos, lhes diziam: "Lembra-te de que és mortal"... Mas para concluir este já longo parêntese, não custa recordar, em relação à importância das bandeiras nacionais, de nosso 'Brasil real e profundo'. Quem já não ouviu, a velha e tradicional cantiga de roda, que vem dos tempos imperiais, "Marcha Soldado, Cabeça de Papel", que resistiu às brumas do esquecimento e nunca é demais rememorá-la:
"Marcha Soldado
Cabeça de Papel
Se não marchar direito
Vai preso no quartel.
O quartel pegou fogo
Pai Francisco deu sinal,
Acode, acode, acode,
A Bandeira Nacional!".
Entre 1820-1821, Dom João VI - "O Fundador do Brasil-Nação" – na iminência de ser destronado pelas Cortes de Portugal, com aguda sagacidade, imaginou criar uma Bandeira para o "Reino do Brasil", ainda integrante, desde 1815, do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Então, a encomendou ao notável pintor francês Jean Baptiste Debret. Eis a descrição heráldica do novo Pavilhão, segundo Gustavo Barroso: "Em campo verde, um losango amarelo, em cujo centro, um círculo de 19 estrelas sob uma coroa real, sendo maior a estrela logo abaixo desta; rodeia a esfera armilar com a cruz da Ordem de Cristo, sustida por dois ramos, um de cana e outro de fumo, unidos na parte inferior, por um dragão, tudo de verde". Eis a verdadeira origem de nossas cores - o verde e o amarelo - concepção, repetimos, de Debret.
Mas o Brasil se fez independente, em 1822, e urgia que fosse criada outra Bandeira Histórica - a do Império do Brasil. Então, o Príncipe Dom Pedro recorreu ao mesmo pintor Debret, já conhecido desde os tempos de Dom João VI, que confeccionou a nova Bandeira, com pequenas modificações em ao seu projeto anterior. Houve também a participação de outro pintor francês, Félix Emílio Taunay, da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro. A cor do escudo, v.g., foi mudada de vermelho, que era a cor do brasão português, para verde. E tudo se compaginou, para felicidade nossa! Juntaram-se, no novel Pavilhão, as cores principais: o verde da Casa de Bragança, de Dom Pedro, e o amarelo, da Casa de Habsburgo-Lorena, da Princesa - depois Imperatriz Leopoldina, a partir de 1824, quando o Príncipe passou a ser o Imperador Dom Pedro I. Havia, como na Bandeira anterior, um losango de coloração dourada; e 'losango', nos Vocabulários Heráldicos, significa 'lisonja', ou seja, uma lisonja, uma honorificência, aos Habsburgos-Lorena, melhor especificando e consonante a interpretação de historiadores de nomeada, à Princesa Leopoldina! Uma curiosidade: em 10 de novembro de 1822, houve a Solenidade católica da bênção de vários exemplares da nova Bandeira, sendo o primeiro desses Símbolos Nacionais, entregue, com honras e circunstâncias, ao Alferes do Batalhão do Imperador, Luiz Alves de Lima e Silva, futuro Duque de Caxias e Patrono do Exército Brasileiro...
Leopoldina era uma mulher extraordinária! Era dotada de um sesquipedal repertório de poliédrica cultura. Poliglota, ela falava, lia, escrevia e traduzia várias línguas, como o alemão, o inglês, o francês, o italiano, o português e até o antigo latim (esse devotamento ao estudo de idiomas foi transmitido, por certo, como bagagem heredobiológica, para seu filho, o nosso Dom Pedro II). Dona Leopoldina era uma exímia pianista e também pintava, tendo trazido ao Brasil, em sua airosa comitiva, intelectuais, pintores, músicos, botânicos, médicos, cientistas etc., etc.
Em agosto de 1822, o Príncipe Regente se dirige à província de São Paulo, a fim de debelar uma rebelião e nomeia a Princesa, 'Regente-Interina do Brasil' e 'Chefe do Conselho de Estado'. À chegada de insolente correspondência das Cortes portuguesas informando que seriam enviadas tropas para forçar o retorno de Dom Pedro, a resoluta Princesa-Regente não trepida em convocar, em caráter de urgência, o Conselho de Estado. E na manhã de 2 de setembro assina um decreto em que declara a separação entre o Brasil e Portugal, que contou com o apoio do dito Conselho de Estado e de seu Ministro do Reino e Negócios Estrangeiros, José Bonifácio de Andrada e Silva ("O Patriarca da Independência"). E neste mesmo 2 de setembro, determina que o mensageiro Paulo Bregaro vá, a toda brida, para São Paulo, para entregar a Dom Pedro, uma carta de sua autoria e outra de José Bonifácio. Era 7 de setembro de 1822 e o Príncipe encontrava-se às margens do riacho Ipiranga, com uma indisposição intestinal. Sua Alteza ao ler as missivas, revoltado e furioso, as rasga, amarrota e pisoteia, rompendo, em definitivo, com Portugal. Realce-se que este ato foi apenas de coonestação do decreto de cinco dias antes, da Regente-Interina, a Princesa Leopoldina! Deram-lhe o cognome de "Madrinha da Independência do Brasil". Todavia, ela foi muito mais do que isso, porquanto o Brasil já estava, por ela, formalmente emancipado do jugo português, repita-se, em 2 de setembro de 1822. Leopoldina, por seu protagonismo, não foi, portanto, um personagem meramente coadjuvante, secundário, em nossa Independência, como preleciona uma mal concebida e contada historiografia nacional... A respeito do ato de Dom Pedro, seguido do "heroico brado retumbante" do Ipiranga, na tarde de 7 de setembro, cumpre citar o ministro do STF, José Antônio Dias Toffoli, em seu brilhante artigo "A mulher que decretou a Independência do Brasil" (Folha de São Paulo, 8 de março de 2020, "Dia da Mulher"): Citação - "Ato meramente declaratório. O decreto, ato formal, foi de Leopoldina, cinco dias antes". - Fim da Citação (o destaque é nosso).
Daí para frente, o Brasil se manteve uno, indivisível e monolítico, diferentemente dos países republicanos em seu derredor, pois manteve o projeto de Estado monárquico-constitucional, em vigor, desde Dom João VI. Quanto a isso, assim se manifestou o ministro Dias Toffoli, no artigo linhas atrás referenciado: "A Constituição Imperial, de 25 de março de 1824, manteve-se na linha da ruptura com continuidade. Inovou, acrescentando um quarto Poder, o Moderador, à tríplice repartição de Montesquieu.
Sou propenso a acreditar que esse quarto Poder, que assegurou um longo período de estabilidade institucional sob dom Pedro 2°, deveu-se à influência da imperatriz, que sabia conciliar modernidade com tradição, ruptura com continuidade".
Aqui cabe uma brevíssima abordagem acerca do episódio do "Grito do Ipiranga" - o "Independência ou Morte"! Tal episódio carece de estudos mais aprofundados quanto à realidade fática, o que certamente ocorrerá, à aproximação do bicentenário da Independência. Há três narrativas referentes às palavras de Dom Pedro, na memorável ocasião: a do padre Belchior Pinheiro, partícipe da comitiva; a do Capitão-Mor Manuel Marcondes, 2° comandante-interino da Guarda de Honra do Príncipe (os "Dragões da Independência") e a do tenente Canto e Melo, ajudante-de-ordens de Dom Pedro, declaração esta registrada bem mais tarde. Prevaleceu, "ad perpetuam rei memoriam", a versão do tenente, "ipsis litteris": "Após Dom Pedro ter lido a correspondência e após breve reflexão, bradou: É tempo! Independência ou Morte! Estamos separados de Portugal!" (demos destaque). Aduza-se que as duas outras versões não citam o brado de "Independência ou Morte!". E a gigantesca tela de Pedro Américo (que nem era nascido quando da proclamação da Independência), exposta na parede da primeira sala do Museu do Ipiranga (SP) e pintada em 1888, também é uma belíssima licença artística, fruto da imaginação criadora do grande pintor paraibano, eis que as cenas não ocorreram como constam na portentosa obra. Mas essas patrióticas e mesmo que romanceadas mitificações servem, até hoje, para exacerbar o patriotismo e a nossa brasilidade!! Hosanas!!
Dona Leopoldina (este era um dos vários nomes batismais por ela escolhido, para ser conhecida) acrescentou a 'Leopoldina', o prenome de 'Maria', passando a ser a Princesa, depois Imperatriz Maria Leopoldina do Brasil. Foi assim que ela assinou a nossa primeira Constituição, de 1824, sendo, para gáudio nosso, a "Primeira Imperatriz do Novo Mundo", o que tornamos a assinalar. Há algumas versões, uma delas popular, quiçá fantasiosa, quanto ao acréscimo 'Maria'. A propósito, afirmam conspícuos historiadores, que na viagem para o Brasil, ela já usava o citado prenome, no trato de negócios particulares. Porém, nos parece a mais razoável explicação, a de que isso ocorreu em vista de sua grande devoção à Virgem Maria; ou uma homenagem a Portugal, eis que todas as infantas portuguesas daquela época ostentavam o nome de 'Maria'.
A jovem Princesa foi infeliz em seu matrimônio, à exceção dos dois primeiros anos. O seu casamento passou a ser uma sensaboria só, devido, principalmente, à infidelidade de Dom Pedro I, amante da Marquesa de Santos. Mas este é um assunto assaz abordado por seus biógrafos e não é intuito deste escrevedor aprofundar-se no mesmo. O nosso trabalho é um simples e incompleto epítome acerca da fundamental atuação da Imperatriz Leopoldina com o processo da Independência da Pátria, conforme o seu título explicita, a par de enfoques ilustrativos e conexos ao tema.
Em 11 de dezembro de 1826, aos 29 anos, vem a falecer, em decorrência de complicações de um parto, a Imperatriz Maria Leopoldina. No venerável mausoléu do majestático "Monumento à Independência", também chamado de "Monumento do Ipiranga" ou "Altar da Pátria", no Parque da Independência, na Colina do Ipiranga, na cidade de São Paulo, encontram-se os restos mortais do Imperador Dom Pedro I, ladeados pelos de suas duas esposas: as Imperatrizes Maria Leopoldina e Amélia de Leuchtenberg.
Eia, pois!! Honra e Glória à excelsa Libertadora do Brasil, Imperatriz Dona Maria Leopoldina!!
* O autor, Manoel Soriano Neto, é Coronel Veterano de Infantaria e Estado-Maior e Historiador Militar.