(Publicado originalmente na Folha de São Paulo do dia 6 /12/2104)
O petróleo era nosso, agora a Petrobras é deles. Diante do volume de recursos desviados passou-se a usar o termo lacerdista Mar de Lama, adjetivação dada pela UDN aos fatos ocorridos no final do governo Vargas, em 1.953 e 54. Quais foram, há sessenta anos, os acontecimentos que geraram expressão tão forte?
Na biografia de Getúlio (terceiro volume), Lira Neto conta que as acusações prendiam-se à importação de dois veículos RollsRoyce para a presidência da República, livre de imposto de importação. A importadora em vez de dois veículos importou quatro, livres de impostos, destinando dois para particulares, um para a importadora Santa Teresinha, da família Maluf, e outro para o magnata Peixoto de Castro. Outras irregularidades denunciadas diziam respeito à concessão de loterias federais e às compras de locomotivas para a Central do Brasil sem licitação. A oposição dizia-se estarrecida, comenta o biógrafo, e daí apodar-se o governo de Mar de Lama.
Outro presidente acusado de corrupção, mas afastado do cargo por impeachment foi Collor. Márcio Thomaz Bastos, recém falecido, e eu fomos chamados pela CPI do PC Farias para ajudar na elaboração do relatório final. Detidamente analisei as provas, especialmente as relações entre a Casa da Dinda e PC Farias. Constatei, então, ter PC Farias irrigado, com parte do dinheiro arrecadado com exigências praticadas em conjunto com autoridades federais, contas fantasmas movimentadas pela secretária particular de Collor, por via das quais se pagavam gastos da Casa da Dinda, residência do presidente.
Pouco depois, José Carlos Dias telefonou-me convidando para reunião em sua casa, na qual se discutiria o impeachment de Collor. Estavam presentes, o anfitrião, Dalmo Dallari, René Dotti, Flávio Bierrenbach e Fábio Comparato. René foi incumbido de elaborar um plano geral. Coube, posteriormente, a Comparato escrever a parte relativa a quebra do decoro e a mim, que tinha cópia dos elementos essenciais da CPI do PC Farias, redigir a acusação acerca dofato de o presidente ter deixado de zelar pela probidade da Administração Pública, sem apurara responsabilidade de subordinados e recebendo benefícios na conta gerenciada por sua secretária.
O grupo de advogados teve mais duas reuniões para exame do texto, em minha casa e depois na casa de Márcio Thomaz Bastos, com a presença de Evandro Lins e Silva, na qual se aprovou a versão final, submetida aos presidentes da OAB – Conselho Federal e da ABI, subscritores iniciais do pedido de impeachment, fundado no descumprimento do deverconstitucional de zelar pela probidade administrativa.
Em 2.005, surgiu o Mensalão, comprometendo a estrutura da República, por via da compra de votos de inúmeros parlamentares de diversos partidos às vésperas de votações importantes, com recursos obtidos com a contratação falsa de publicidade e depois entrega de envelopes recheados em hotéis de Brasília, envolvendo ministro da Casa Civil e presidentes de partidos políticos na cooptação da vontade parlamentar. O presidente Lula de início se disse traído, depois vem tergiversando.A fragilidade da oposição permitiu que o presidente passasse incólume.
Mas, são do seu governo as falcatruas na Petrobras, sendo, então, a atual presidente, primeiramente, Ministra de Minas e Energia e depois Chefe da Casa Civil, mas sempre presidente do Conselho de Administração da Petrobras, conselho ao qual, pelo Estatuto, coube a nomeação dos diretores, estes mesmos agora presos e acusados de locupletamento de milhões.
Denunciado o Mensalão, que garantia a “fidelidade” da base governista, instituiu-se o Petrolão, nova fonte de recursos a não serem contabilizados. O TCU – Tribunal de Contas da União – apontou em 2.007 que havia graves distorções em obras da Petrobras,recomendando a paralisação da sempre lembrada refinaria Abreu Lima.O Congresso não acompanhou a recomendação do TCU e o Executivo nada fez. Em 2.009, novamente o TCU recomendou e o Congresso acolheu, na Lei Orçamentária,a suspensão das obras da Refinaria.
Alertadas a presidência e a ministra Dilma, presidente do Conselho de Administração da Petrobras, resolveu Lula vetar o artigo do projeto de lei orçamentária que suspendia a obra suspeita, com argumento do prejuízo social desta paralisação, dando livre curso às irregularidades. Limitou-se a presidência a recomendar à Corregedoria a apuração de eventuais desvios, sem se dar o devido relevo ao TCU e ao próprio Congresso, tanto que a Corregedoria, displicentemente, três anos depois, em 2.012, afirmou não ter sido possível verificar qualquer irregularidade por falta de conhecimento dos parâmetros utilizados pelo TCU na constatação dos desvios.
Hoje está estampado em cores gritantes o tamanho do desmando, a fonte contínua de montanhas de dinheiro desviado em obras e aquisições pelas diretorias da Petrobras na gestão de Dilma e Lula, a ponto de um só gerente, agora em delação premiada, comprometer-se a devolver 250 milhões de reais dos quais se apropriara.
Segundo consta, havia um diretor responsável por gerir as vantagens ilícitas de cada um dos três partidos da base: PT, PMDB e PP. Assim, os parlamentares da base, formada por estes partidos,continuavam “fiéis” ao governo, que fechava os olhos aos desmandos de toda ordem na estatal, antes considerada a pérola da República, mas que ora amarga prejuízos e descrédito incomensuráveis no Brasil e no exterior. A peso de ouro o governo manteve uma maioria parlamentar sempre pronta a fazer naufragar CPIs no Congresso.
Cabe ao leitor comparar o sucedido à época de Getúlio e com Collorem 1.992, frente ao que ocorre hoje, para avaliar o que vem ser um Mar de Lama, se há ou não omissão dolosa ou culposa no devido zelo à probidade administrativa e na apuração de responsabilidade de subordinados.