• Prof. Gabriel Giannattasio
  • 19/07/2017
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A OPÇÃO TOTALITÁRIA DE HISTORIADORES DA UEL

Mais uma evidência da adesão ao totalitarismo comunista que descrevi no artigo “Por que tantos professores de História são comunistas?”

(Publicado originalmente na Folha de Londrina, em 19/07/2017)

"Em meio aos debates acalorados fomentados pela indicação do vereador Filipe Barros para compor o Conselho Universitário da UEL, bem como os desdobramentos de tal indicação junto ao Departamento de História desta mesma universidade, me foi sugerida a leitura de um livro , publicado em 1979, intitulado ‘Liberdade Acadêmica e opção totalitária’. Não posso deixar de agradecer, por tão oportuna indicação, ao amigo Luke De Held. O livro, de imediato, atraiu minha atenção, ainda mais quando fui me informar sobre o caso nele narrado, qual seja:

O chefe do Departamento de Filosofia da PUC-Rio de Janeiro veta a inclusão de um artigo do professor Miguel Reale, numa coletânea de textos que seriam usados pelos alunos da disciplina ‘História do Pensamento’, alegando, para tanto, motivações ideológicas. Em solidariedade a Miguel Reale, a professora Anna Maria Moog Rodrigues pede demissão do quadro docente daquela instituição e envia uma carta à imprensa denunciando o caso. Abre-se, a partir daí, um debate na mídia da época, com participação decisiva do Jornal do Brasil e o Estado de São Paulo.

Quase quarenta anos nos separam daquele momento histórico e do episódio brevemente relatado acima. Em 1979 vivíamos um contexto de abertura política na vida nacional, batizada por Golbery do Couto e Silva de ‘distensão lenta e gradual’. Havia o retorno dos exilados recebidos como heróis nacionais, as rádios e tevês nos faziam ouvir ‘Geni e o Zepelim’ de Chico Buarque e ‘Super-homem’ de Gilberto Gil. Estudantes se uniam aos movimentos populares e saiam às ruas de um modo mais destemido. Mas, o episódio da PUC-RJ já chamava a atenção para dois perigos: o já conhecido perigo autoritário que vinha de fora da universidade e o perigo totalitário que vinha de dentro. Num dos artigos sobre o caso, publicado no Jornal do Brasil à época, o professor Luciano Zajdsznajder escreve:

"A querela que há pouco assistimos sobre os patrulheiros ideológicos e que agora se estende ao comportamento totalitário ou autoritário de marxistas no campo acadêmico é um fruto da abertura. Serve sem dúvida aos autoritários e totalitários do outro lado e este foi sempre o temor daqueles que quiseram denunciar imposturas. O fato de que os marxistas encontravam-se entre os principais atingidos pelas ações mais terríveis do sistema autoritário exigia solidariedade e misericórdia, e impedia a crítica necessária. Não é, porém, porque se foi perseguido e torturado, que se terá sempre razão. Esta é a tragédia da política: os perseguidos não têm na perseguição uma justificativa eterna para as suas decisões e para os seus desacertos."

Tantos anos depois daquele episódio podemos já reconhecer que o perigo externo foi superado, mas o interno se enraizou, prosperou, contaminou e se tornou o agente mais nefasto à democracia social e ao pluralismo acadêmico.

Transcorridas quase quatro décadas nos deparamos, aqui e acolá, com episódios de clara manifestação de intolerância. Todos devem se lembrar do recente caso em que um docente, do departamento de História da Universidade Estadual de Londrina, solicitou a abertura de sindicância junto à Ouvidoria da Universidade, alegando que um colega de trabalho havia faltado com a urbanidade, com o decoro, além de ter cometido assédio moral. Tudo por quê? Pelo fato do ‘acusado’ ter defendido a legitimidade democrática da indicação do vereador Filipe Barros como representante da Câmara Municipal de Londrina no Conselho Universitário da UEL. O caso se tornou de conhecimento público depois de ser veiculado nas mídias sociais.

Recentemente fui participar de uma reunião do departamento de História, a que pertenço, na qual o caso estava em pauta. Mais da metade dos professores daquele colegiado não compareceu à reunião. Grande parte dos que compareceram manteve-se calada. A agonia durou quase três horas. Durante este tempo ouvi represálias e censuras, que partiam da grande maioria dos professores que se manifestaram na ocasião. Esqueceram, muito providencialmente, os motivos geradores deste imbróglio, o pedido injustificado de abertura de sindicância, passando a me julgar e responsabilizar pelos seus desdobramentos. Condenavam-me por ter levado ao conhecimento público e num momento, segundo eles, inoportuno as feridas abertas do departamento.

Impressionante semelhança, este também era um argumento apresentado pelos professores da PUC-RJ contrários à exposição pública do caso. O que desejavam? Que eu permanecesse calado, mais uma vez, a lamber as próprias feridas? Que a sociedade, que é quem financia a estrutura pública de ensino, pesquisa e extensão, não fosse informada do que está a ocorrer intramuros? A clandestinidade é um terreno muito fértil para o desenvolvimento de doutrinas políticas e sociais perigosas. O que elas querem? O poder do partido único, do pensamento único. O que elas precisam? Tempo, o tempo necessário para conquistar a opinião pública...

"A conquista da sociedade de dentro para fora, proposta por Antonio Gramsci, tem conseguido o que Lênin nunca sonhou e Stálin desejou mas não obteve. A universidade é peça fundamental no processo paciente e diário de captura da opinião pública, a da classe média em particular. Não admira que os professores autores da denúncia na Pontifícia Universidade Católica do Rio tivessem merecido as atenções de professores, alunos, associações, notas e assembleias gerais. Aquelas denúncias atingiram precisamente a máquina de moer pensamentos que dirige a ação totalitária, e que se apresenta como aberta, flexível e democrática precisamente para, em nome da isenção, atuar como deve em termos de conquista ideológica e influência política." — escreveu o tradutor e jornalista Luiz Carlos Lisboa em texto publicado no Jornal O Estado de São Paulo em 24 de março de 1979.

Felizmente, hoje, as redes sociais nos permitem maior autonomia em relação à mídia tradicional. Pois o silêncio da mídia diante do caso é vergonhoso e ele só foi rompido graças à coluna independente ‘Avenida Paraná’, que o jornalista Paulo Briguet mantém junto ao jornal Folha de Londrina e ao pronunciamento do vereador Filipe Barros. A depender da voz corrente, não unânime, de parte dos meus colegas de trabalho e da imprensa tradicional eu deveria sofrer o processo resignando-me ao silêncio, bem ao gosto dos expurgos, perseguições e condenações que marcaram os históricos processos de Moscou. Guardadas as devidas proporções, o modus operandi é bastante comum aos casos.

Diferentemente dos chamados ‘anos de chumbo’ da ditadura militar, a crise e o perigo às liberdades acadêmicas vem mais de dentro que de fora da academia. Alguns departamentos universitários estão, há décadas, se transformando em blocos monolíticos de pensamento dogmático. Fechados ao diálogo e impermeável aos posicionamentos contrários ao novo status quo. Não quero aqui negar uma ideia, pela qual tenho imensa simpatia, a de que toda manifestação guarda uma posição ideológica. Em outras palavras não há narrativa isenta ou imparcial. O que nos salva do dogmatismo é o reconhecimento de que concorrendo com a minha narrativa há uma série de outras e nenhuma delas está em condições de garantir veracidade e universalidade:

"A liberdade acadêmica é um dos valores mais fortemente arraigados entre homens e mulheres de ciências, artes e letras. O direito de ter uma opinião, o direito de discordar, o direito de filiar-se a uma posição filosófica, o direito de apoiar-se em uma determinada teoria, o direito e o dever de apresentar aos alunos vários pontos-de-vista, em suma, o direito de pensar e de propiciar a opção livre, sempre foi a característica marcante do discurso acadêmico e motivo de orgulho e satisfação das comunidades universitárias."

Poderíamos tomar de empréstimo estas palavras escritas por Aroldo Rodrigues em 1979 e inscrevê-las no portal de entrada de todas as academias. Estimularíamos, com elas, a criação de um ambiente de tolerância de que se ressente o dogmatismo totalitário de alguns.

A reação visceral, audível e visível, de parte dos meus colegas de trabalho indica que a galinha dos ovos de ouro da propaganda totalitária foi atingida num de seus pontos mais sensíveis. Eles têm horror ao debate, a confrontação de perspectivas. Se encastelam em seus pequenos redutos de sapiência e do alto da sabedoria que professam alegam: ‘Eu? Com toda a minha formação, com os títulos que acumulei vou debater com este ‘zé ninguém’? ‘Não! Não vamos oferecer o palco da universidade para que um desqualificado se apresente nele’. Dos cumes da arrogância e intolerância promovem seu julgamento.

"Afinal de contas, que ciência é esta, na qual só se lê o que se concorda? O resto se vê condenado pela total e, portanto, totalitária ignorância" — escreveu o cientista político Vamireh Chacon, ainda sobre o caso PUC-RJ. Passados quase quarenta anos, o caso tem muito a nos dizer. "Além do mais", prossegue Chacon, "trata-se de um aberrante desconhecimento do próprio historicismo, do qual certos auto-intitulados marxistas se dizem partidários em determinada vertente hegeliana. Seria ótimo que eles se recordassem do próprio Hegel, que dizia inexistir lixo da História, porque mesmo que ele existisse, serviria de adubo."

Alguns colegas de trabalho consideraram a minha atitude cínica, cinismo que se deve ao fato de eu ter manifestado sincero agradecimento à proposta de sindicância encaminhada à Ouvidoria da UEL. Quem sabe, agora, estejam em condições de compreender meu argumento: mesmo o lixo da história pode ser útil e servir de algum modo como adubo do pensamento."

— Gabriel Giannattasio é professor do Departamento de História da UEL.

• Artigo publicado na Folha de Londrina e reproduzido pelo jornalista Paulo Antônio Briguet em sua página no Facebook.