• Jorge Hernández Fonseca
  • 25/12/2014
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A DISPUTA CUBA-EUA E O PROBLEMA CUBANO

 Há uma confusão - generalizada entre observadores não cubanos - a respeito da especial situação que surgiu a partir da aproximação entre os EUA e Cuba. É a mistura que se faz entre o chamado "problema de Cuba" e o tradicional "conflito entre Estados Unidos e Cuba", que vai além do meio século de existência. Ambos os casos estão relacionados logicamente, mas são bem diferentes em natureza e essência.

 "O problema de Cuba" é o nome genérico da situação especial que atravessa a ilha desde que Fidel Castro tomou o poder "pela força" (como ele gosta de dizer) quase 56 anos atrás. Este "problema" para os defensores da ditadura cubana - em geral pessoas de esquerda - é "positivo e quase providencial", enquanto que para a maioria das pessoas da ilha - e para mais de 20% de a população cubana forçada a exilar-se ou a "emigrar", como a ditadura diz, é uma situação deplorável que destruiu o país.

 "A disputa entre Cuba e os EUA", por sua vez, é a ampla deterioração das relações entre os dois países desde que Fidel Castro tomou o poder em Cuba. Seu ponto de partida foi a filosofia anti-americana expressa por escrito pelo líder cubano. Isso ficou claro mesmo antes de ele chegar ao governo e levou à ruptura das relações diplomáticas, em parte pelo confisco, sem compensação, de bens e negócios de cidadãos norte-americanos na ilha (razão também do embargo) e em parte pelo apoio dos EUA à oposição cubana em suas tentativas de derrubar o governo por via beligerante durante a guerra civil nas duas primeiras décadas do governo comunista cubano.

 Podemos dizer, então, que a "disputa entre Cuba e os EUA" é um dos resultados mais conhecidos do "problema cubano", mas não é a única, ou mesmo, a mais importante, embora seja a aresta internacionalmente mais conhecida. Sendo "o problema cubano" a causa real da "disputa Cuba-EUA" tem certa lógica se relacionar a solução da disputa entre os dois países com a solução do problema que lhe deu origem e que é a chave para as inferências erradas feitas sobre o objeto desta análise.

 O "problema cubano" trouxe uma série de consequências fora do "litígio Cuba-EUA". O castrismo é, antes de mais nada, a implantação de uma ditadura totalitária contra a sociedade cubana da ilha; é a nacionalização forçada de todos os negócios em Cuba, sem olhar a sua nacionalidade. Com efeito, não apenas os americanos foram confiscados. Cubanos, espanhóis e, em geral, qualquer empregador no interior da ilha foi violentado economicamente. O "problema cubano" é, também, a interferência política e militar nos países latino-americanos, aos quais Cuba enviou guerrilheiros para impor uma guerra de conquista, que visava submetê-los, a exemplo da lha, a um regime comunista.

 Como se deduz do anterior, a questão que tem afetado os cubano-americanos e todos os latino-americanos é o "problema de Cuba" e não a "disputa Cuba EUA". O "problema de Cuba" é a "grande mãe" de tantas conflitos que ainda afetam a América Latina em geral, e os EUA em particular. Como os EUA - com todos os aspectos de seu poder global - havia imposto sanções políticas e econômicas sobre a ditadura cubana (em reação ao confisco adotado pelo regime de Fidel Castro) a população da ilha esperava que, quando EUA decidissem negociar com a ditadura as diferenças entre os dois países, fossem incluídos nas negociações elementos que favorecessem a solução do "problema de Cuba" na certeza de que, ao resolvê-lo, estaria beneficiando também seus próprios interesses, ao eliminar um foco de sentimentos negativos entre os EUA e a América Latina.

 Certamente é uma prerrogativa de cada país garantir seus interesses acima dos interesses estrangeiros. Não há dúvida quanto a isso. No entanto, para muitos, a continuação do "problema de Cuba", reforçada pelas grandes vantagens que, sem dúvida, obterá a ditadura como resultado das negociações entre Raul e Obama, redundará em desvantagem para os interesses dos EUA no seu próprio país e no resto da América Latina, onde a influência da ditadura de Fidel Castro é fortemente sentida.

 É verdade que as negociações conduzidas pela equipe de Obama - segundo tem sido afirmado - foi vista como forma de "entrar" na ilha, com o objetivo de influenciar e determinar de maneira próxima e determinante a mudança geracional que está prestes a ocorrer em Cuba. Também é verdade que um grande grupo de empreendedores cubanos e cubano-americanos têm defendido uma solução deste tipo na certeza de que sua influência será fundamental para os futuros líderes da ilha na transição que se desenhará a partir da morte dos Castro.

 Não há dúvida de que a "mexida" que se promove dentro da ilha com esta mudança substancial nas relações Cuba-EUA reserva surpresas. Elas são próprias do retumbante fracasso do regime. Fracasso econômico, pois a sociedade socialista cubana não produz, sendo parasita por natureza. Fracasso político, pois impõe uma ditadura totalitária longa e cruel há mais de meio século. Fracasso social, pois mais de 20% da população cubana viu-se na necessidade de exilar-se e os que permanecem na ilha têm o exílio como objetivo principal e imediato. Fracasso moral, pois, na sociedade socialista cubana, vigora o princípio do "cada um por si", ante o qual tudo é possível.

 Considero pertinente afirmar, agora, que eu conheço bem a posição atual do governo e da elite norte-americana. Ela está alinhada muito mais com a estabilidade dentro da ilha do que com a derrota do totalitarismo (evitando um êxodo "balseiro"). Reconheço, igualmente a dificuldade que teve a oposição política cubana, dentro e fora do país, de ser identificada aos olhos dos EUA e do resto do mundo, incluída a Europa e a América Latina, como uma opção confiável de poder, capaz de impedir a infiltração do tráfico de drogas na futura estrutura de governo da ilha. Essa é a mais provável razão pela qual os EUA reconheceram a ditadura e o forte controle que ela exerce em todo o território nacional e nas águas adjacentes, evitando surpresas de um futuro incerto.

 No entanto, neste artigo, vemos criticamente o fato de os EUA terem desperdiçado suas melhores armas de negociação, entregando-as à ditadura cubana sem pedir nada em troca. Li textos defendendo essa abordagem como a melhor maneira de influenciar na sociedade cubana com o objetivo de hierarquizar a transição para uma sociedade democrática. Tal tarefa, desde meu ponto de vista pessoal, teria sido melhor executada se o levantamento das sanções entrasse na mesa de negociações "para" a democratização.

 Creio que, da maneira como as coisas foram feitas, para tentar solucionar seu conflito com a ilha, os EUA pretendem preservar "parte" de seus interesses. Sim, a bem da verdade, apenas uma parte deles. Castro é um perigo político potencialmente superior ao narcotráfico, como ficou evidenciado pela infiltração do regime de Fidel Castro na Venezuela, no Equador, na Bolívia e na Nicarágua, seguindo-lhes muito de perto o Brasil, a Argentina, o Uruguai, o Chile e El Salvador. Além disso, gostaria de poder ler, a partir de defensores das atuais negociações Raul-Obama, uma seqüência fundamentada e lógica de ações que, derivando da entrega das cartas que os EUA propiciaram aos irmãos Castro, sem pedir nada em troca, nos levem, num tempo razoável, à democratização da ilha. Essa é a única maneira de resolver o "problema cubano" e as suas consequências para seu sofrido povo, bem como promover a estabilidade democrática na América Latina, em vez de resolver apenas o "conflito Cuba-EUA", como foi pretendido nesses acordos.

http://www.cubanet.org/author/jorge-hernandez-fonseca/

Traduzido do espanhol por Percival Puggina