Envolvi-me numa discussão sobre a China. Logo após, terminei de assistir a série distópica Years And Years. Fui dormir, mas pareceu-me que acordei ruminando algo, ou sonhando...
Sobre a China, afirmei que a "autocracia com certas características democráticas" tem conseguido alcançar crescimento econômico, em parte pela política keynesiana, com vultosos investimentos em infraestrutura. Ao mesmo tempo, penso que essa mesma política poderá ser a causa do futuro declínio chinês.
Mais do que isto, nunca existiu sistema político não democrático com crescimento econômico duradouro. Foi aí que comecei a pensar em nosso país.
Na China politicamente comunista, fica claro que os indivíduos estão submetidos a um constante monitoramento por parte do Estado, a fim de conter "dissidentes" do regime. Vigilância severa que, inclusive, monitora as atividades online das pessoas, repassando informações dos indivíduos aos órgãos públicos chineses. Há Estado de partido único, que não realiza eleições, não existe Judiciário independente e há o controle e censura da imprensa pelo Estado.
No entanto, como afirmou um diplomata da embaixada brasileira em Beijing: "... o sistema chinês evolui, tem demonstrado uma capacidade de readaptação ao longo das décadas. Hoje um cidadão chinês típico possui um nível de liberdade individual que jamais teve em toda sua milenar história". Algum avanço certamente ocorreu.
Mas somos verdadeiramente livres na democracia brasileira?
A começar pelo fato de sermos humanos e somente dizermos e comentarmos determinados assuntos e "verdades" em círculos familiares (pelo menos, a maioria!). É bem verdade que temos - ainda - liberdade para expressarmos nossos pontos de vista sobre questões comuns e de Estado. Contudo, nossa liberdade de expressão tem recebido duros golpes.
A guerra cultural aguerrida naturalizou o nefasto "politicamente correto", fazendo com que parte da população brasileira, de fato, tenha algum tipo de receio em verbalizar aquilo que verdadeiramente pensa. Num país machucado pelo relativismo moral, tais posições facilmente podem ser classificadas pelos outros como racistas, totalmente equivocadas, elitistas, machistas, entre outras qualificações não benfazejas. Aliado a este aspecto, educação deficiente torna os cidadãos brasileiros talvez carentes de uma das virtudes fundamentais, ou seja, a coragem de expor suas próprias ideias e opiniões.
Nossa imprensa, de forma marcante, vem contribuindo em muito para a distorção dos fatos. O aparelhamento das instituições mostra-se transparente para aqueles que possuem a capacidade de discernimento "ajustada", para além das paixões partidárias. Fatos são fatos, isto é, verdadeiramente aquilo que ocorreu, mas a notícia dos fatos tem sido, basicamente, falsa e/ou enviesada. Controladores dos grupos de imprensa, com base em seus próprios interesses, tem exacerbado grave problema de agência, em que notoriamente seus interesses parecem divergir dos desejos do público. Para se constatar tal doença, basta verificar como o mesmo fato é noticiado pelas diferentes empresas da mídia brasileira, televisiva e impressa. Análises tendenciosas e assimétricas têm marcado a mídia nacional, em que pseudo-jornalistas opinam sem colocar os reais eventos em perspectiva histórica e ampla.
Entretanto, a instituição suprema da garantia da liberdade e da justiça é aquela que tem se mostrado a mais perniciosa à liberdade do cidadão brasileiro. Rui Barbosa já nos alertava quanto ao fenômeno: "A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer". Vide às decisões do ministro do STF, Alexandre de Moraes, que mandou retirar do ar conteúdos jornalísticos que criticavam decisões do Supremo e, ao mesmo tempo, ordenou o bloqueio de contas nas redes sociais que divulgavam, segundo ele, fake news. Estranho, mas os ministros do STF exigem uma justiça diferenciada em relação aos "comuns". Em que lugar foi parar a liberdade de imprensa? Esse tipo de cidadão brasileiro encontra-se acima da lei? O que se tem literalmente assistido no STF, é uma série de falácias do espantalho, em que os supremos ministros extraem apenas uma parte da lei, distorcendo a lei, e interpretando-a de acordo com seus interesses.
Assistindo a distopia Years And Years, parece-me correto e claro a presença do "Grande Irmão". Escolhas trazem benefícios e custos, mas creio que nossa liberdade esteja sendo, cada vez mais, restringida, com consentimento! No Brasil, como no ocidente, empresas privadas, especialmente, e o Estado, sabem exatamente o que fazemos e em que gastamos nosso dinheiro. A tecnologia atual dá muito mais poder aos "outros" sobre nós mesmos! O avanço da inteligência artificial, a meu juízo, tende a aprofundar o "nosso controle".
Neste sentido, um cidadão chinês, em razão do meio cultural, poder-se-ia sentir-se até mesmo mais "livre" do que nós brasileiros, na medida em que o controle da autoridade estatal significaria algo melhor do que os interesses de empresas privadas.
O fato que me fez pensar é mesmo a retórica "democrática" no Brasil. Numa democracia em que não se cumpre a governança adequada, em que a lei não é igual para todos, em que não há competição efetiva e, desse modo, empresários "compadres" se beneficiam de claro clientelismo, em que políticos atuam fisiologicamente, jogando o conhecido jogo, somos realmente mais livres que os chineses?
Na economia chinesa, evidente que existe intervencionismo econômico, compensado com momentos de abertura econômica - enfatizado pelas autoridades - que tem trazido crescimento pelas trocas internacionais, e maior prosperidade para a enorme população chinesa, principalmente para os mais pobres. Já por aqui, embora com sinais positivos de reversão pelo governo atual, a intensidade daqueles que ainda pensam e verbalizam sobre políticas nacional-desenvolvimentistas é brutal.
A China não parece disposta a replicar o modelo democrático ocidental. O país continuará seu processo de abertura ao exterior e expansão do acesso de empresas chinesas aos mercados. Mas é claro que sistema político chinês é autoritário, garantindo a obediência ao governo às custas da liberdade pessoal. No entanto, no Brasil, em que "tipo de democracia" vivemos?
Pra pensar sobre os complexos temas democracia, liberdade, sistemas políticos, econômicos e sociais, entre outros assuntos!
Alex Pipkin, PhD