Procure na história um completo desastre social, político e econômico e encontrará uma utopia a inspirá-lo. Utopia, por definição, é algo que não se realiza. Fantasia e quimera são seus sinônimos. Por isso, as ações humanas movidas por utopias conduzem a abismos. O escritor uruguaio Eduardo Galeano assemelhava-a ao horizonte, que se afasta a cada passo que damos em sua direção, mas serve para fazer andar. Esquecia-se ele e esquecem seus repetidores que a sensatez impõe a todo líder a obrigação moral de verificar aonde levam os passos que dá. E os passos da utopia que Galeano ajudou a difundir, inclusive no Brasil, deixaram trilhas sinistras na história.
Nos principais experimentos, produziu cem milhões de mortos. E em todos, inclusive na atualização bolivariana articulada no Foro de São Paulo, não exibe um estadista, uma economia que se sustente, uma democracia de respeito. Em contrapartida, mundo afora, todos os êxitos sociais e econômicos foram colhidos em ambiente de realismo político. Muitas vezes tenho ouvido, em defesa dos delírios característicos do ideário comunista, a afirmação de que a palavra utopia serve de título a um livro de Thomas Morus, santo da Igreja Católica, nascido no século XV. Pretende-se, com isso, como que canonizar a utopia. Coisa de quem não conhece o santo ou, se leu o livro, entendeu bulhufas. E quem não sabe isso, a experiência me mostrou, não quer saber.
Meu objetivo, aqui, é evidenciar que a crença em uma utopia vem, necessariamente, associada àquela mesma ingenuidade tão nítida nas descrições feitas pelo interlocutor de S. Thomas Morus em Utopia. Tal ingenuidade, aliás, estabelece intuitivo vínculo entre utopia e magia. Creio que o melhor exemplo atual pode ser observado no uso abusivo da expressão “vontade política”. Essa vontade seria o instrumento mágico, capaz de moldar a realidade – qualquer realidade – aos desígnios do governante ou de quem ao governo apela. Em outras palavras: como a utopia não se realiza na prática, somente a magia pode produzir seus milagres. E a varinha de condão da qual se cobram sortilégios é a tal “vontade política”. Supõe-se, num querer infantil, que a ela se curvem os fatos, a razão, os recursos públicos, os índices econômicos, as ciências, todas as divergências, os direitos individuais e tudo mais que lhe venha pela frente.
Foi essa crença pueril de eleitos e eleitores que trouxe o Brasil à atual crise. A utopia nos levou à euforia, a euforia à prodigalidade e a prodigalidade à miséria. "Se você está num buraco, pare de cavar", aconselhava certo personagem, em um filme a que assisti recentemente. Nosso governo, porém, teima em seguir cavando.
Zero Hora, 31 de janeiro de 2016
Oi longe Rocha - 03/02/2016 00:41:10
Caro Professor Li Utopia. O jeito "cândido " , com que o Santo Thomas tratava a família e , em particular, a sua amada esposa, estava longe de ser utópico. No Pensadores da Nova Esquerda, Roger Scruton revela a sandice dessa gente que influenciou a construção dessa nefasta ideologia da destruição. Uma completa loucura. Utopia é outra coisa.Nelson - 02/02/2016 14:15:21
Sim, são palavras e expressões mágicas que provocam o encantamento na militância hipnotizada. A utopia social, uma utopia humanitária que os projeta de uma realidade concreta para um futuro que não precisa ser provado. Uma crença mágica que os impede de perceber que o chão se abriu novamente. Mas não na classe dirigente maior, essa nova oligarquia. Nela, os sintomas visivelmente são os da psicopatia, patologia social maligna que deve ser devidamente abafada, contida porque impossível de ser exterminada.Luis Gonzaga - 02/02/2016 13:30:30
Excelente constatação, e perfeita descrição das causas do estado das coisas em nosso tempo, meu caro Puggina. Faz-me lembrar uma frase que ouvi há tempos: "O inferno na terra é obra daqueles que insistem em transformá-la no paraíso"Genaro Faria - 02/02/2016 06:01:48
O progresso é a materialização dos sonhos. Quem ser tornou médico, engenheiro, advogado sem desejar ser um médico, engenheiro ou advogado, não será o mesmo profissional de quem realizou um sonho. Como disse Fernando Pessoa: "O verde não é o mesmo verde para os que amam e para os que não amam". A utopia que deixa de ser a manifestação de um sonho é um verde que nem ama. Odeia quem não lhe reconhece os dogmas de ciência incontrastável por seu próprio enunciado. A uma tal utopia, evidentemente, não se pode atribuir nem a mínima virtude do sonhos. A não ser aqueles que nos despertam de madrugada, a suar frio, no meio de um pesadelo. Toda vez que uma utopia deixou de ser um sonho para arrogar-se uma ideologia, em vez do progresso que ela despertaria no espírito humano , na barbárie é que ela se cristalizou. E por uma razão muito simples. O ser humano não foi criado à semelhança de nenhuma ideologia. Sua natureza sempre será estranha à ideia de que ele não passa de um insignificante elemento da circunstância social. Que ele não é um indivíduo. Nenhum ser humano pode sentir-se assim se não lhe restar algum traço da sua identidade. Dessa qualidade que preserva nossa dignidade. E nos permite sonhar com as utopias. Quando Puggina fale de utopias como fundamentos de ideologias, é claro que não se refere a sonhos, mas a pesadelos. Mas não a qualquer pesadelo, desses que um banho quente e uma toalha de água fria espantam. Puggina nos alerta contra um pesadelo fatal: a maioria de uma população sempre foi irrelevante para evitar as catástrofes que sobreviriam sobre ela, promanadas de uma minoria de, no máximo, um quinto dela. Pareto, um cientista italiano, estudou esse fenômeno que explica nossa aparente apatia, numa espécie de dança macabra ao lado de nossa sepultura.Ismael de Oliveira Façanha - 02/02/2016 00:34:33
O ideal ou utopia, quando plantado além do horizonte, pode ser o sol nascente de nova e melhor Era; mas também pode ser um fogo fátuo, um equívoco, ou uma farsa ideológica como o "neo marxismo". A estrela petista não é de ouro, é de lata, enferrujou, está se tornando pó.