• Percival Puggina
  • 06/09/2024
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Um corpo estendido no chão

 

Percival Puggina

Tá lá o corpo estendido no chão.

Em vez de rosto, uma foto de um gol.

Em vez de reza, uma praga de alguém.

E um silêncio servindo de amém.

(João Bosco)

         Os versos de João Bosco cruzam minha mente com frequência nestes últimos anos. Leio a manchete do dia e a canção me ressoa, triste. Há algo morrendo em nosso país, não é pouca coisa e não, não vou falar dos cada vez mais improváveis e difíceis gols de um futebol que perde qualidade. Afinal, a qualidade, como tudo mais, está indo embora assim que pode.

 

Outro dia, escrevi sobre a necessária aprovação da anistia para os presos e condenados pelos atos do dia 8 de janeiro de 2023. Houve dois tipos de objeção: uns consideraram a anistia injusta porque deixaria impunes demasias e injustiças praticadas contra os réus; outros consideraram inconveniente a impunidade dos crimes de grave lesão ao patrimônio público que todos presenciamos. São confusões que se explicam com a autópsia destes exóticos tempos políticos. A democracia exige o olhar zeloso do cidadão sobre as ações do Estado. Se essa atitude ainda exibisse sinais vitais, todos perceberiam que anistia é um instrumento da Política e não da Justiça. Se ficarmos discutindo Justiça com os justiceiros de qualquer banda, jamais haveria anistia e as crises se perpetuariam. Já contamos dezenas delas em nossa litigiosa vida republicana!

“Pode a Justiça atender à conveniência política e abrir mão de sua obrigação de punir?”. Se essa pergunta está sendo formulada pelo leitor eu sugiro que saia das narrativas e leia os fatos dos últimos anos. Por outro lado, o bem comum, o bem de todos – a que se acrescem os bens naturais, materiais, culturais, institucionais e civilizacionais de uma nação – cria a proximidade e o necessário diálogo entre o Direito e a Política.

O histórico do recente caso das determinações e sanções por descumprimento impostos à plataforma X, proibindo-a no país, faz pensar. É no exercício desse direito que pondero notável desproporção entre o fato gerador da sanção (o descumprimento de uma ordem judicial) e a consequência que deixou mais de 20 milhões de cidadãos, empresas e serviços públicos sem acesso aos serviços prestados, também, pela Starlink.

Que digam os juristas: não há limite no plano das consequências? Afinal, a plataforma é fonte de serviços e fonte primária mundial de notícias, onde os fatos chegam pela palavra de seus agentes – chefes de Estado, o Papa, governantes, pessoas de ciência e saber, comunicadores e, até mesmo, ministros do STF. E se fosse abastecimento de água ou energia, ou bens essenciais ao consumo? Qual a essencialidade do direito à informação?

Não terá chegado a hora de olhar para quanto já tombou e está lá, estendido no chão, como parte do conjunto de bens que já tivemos e estamos perdendo sem entender bem por quê?

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

 

 

          


Luiz R. Vilela -   07/09/2024 11:29:26

O corpo que já estaria estendido no chão, seria o da "justiça justa", aquela que é cega, ou esta vendada, como a representa a deusa grega Themis? A justiça deve ser imparcial, ou não ter lado, deve ver a todos como os mesmos propósitos. Os episódios de 8 de janeiro, não acho que caberia anistia, pois esta é na verdade o perdão e esquecimento dos atos praticados. O que deveria haver, é a anulação total de todas as penas aplicadas, porque foram seletivas, duríssimas para uns e ignoradas para outros. Indivíduos flagrados por filmagens dentro do palácio, que sequer foram chamados para dar explicações das suas presenças nos locais, enquanto outros outros foram condenados sem ter participação confirmada nos fatos. Nem de longe pode-se imaginar que foi feito justiça, até porque não houve golpe, portanto sendo o crime impossível. Condenado apenas por manifestar o desejo de algo que não aconteceu? É a mais pura presunção de culpa, e isto não existe no direito.

Menelau Santos -   06/09/2024 21:49:03

Prezado Professor, o Sr. é genial não só nos textos, mas no título. Essa canção, e particularmente esses versos, é impagável. Sua comparação é apaixonante. E eu gostaria de acrescentar outra comparação, dentro do "leitmotiv" apresentado. É a passagem de Mateus 18:23-35 onde o servo implora ao patrão que perdoe sua dívida, e o senhorio assim o faz. Porém, o empregado do servo perdoado também roga-lhe perdão da dívida, mas ele é implacável e não retribui a graça recebida. O mesmo acontece com esses perversos esquerdistas, que foram agraciados com a anistia do período militar e agora negam a anistia solicitada (e justa) aos condenados políticos do 8 de janeiro. Hipocrisia pura e cruel.