• Percival Puggina
  • 19/04/2023
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Síndrome de A. de M.

Percival Puggina

         Nunca tive qualquer simpatia pela Constituição de 1988. Sempre a considerei uma parolagem esquerdista, redigida com os olhos no passado e os dois pés no futuro. E o futuro, sabe-se, é inédito e incógnito por natureza. Como consequência, viver o presente e responder às demandas da realidade não acontece sem as tais emendas que entulham o texto original da Constituição e em propostas que se acumulam na forma de PECs.

No entanto, se a Constituição me desagrada de modo contínuo e crescente ao longo dos anos, o mau uso que dela vêm fazendo os atuais ministros do Supremo Tribunal Federal me leva a chamá-la, carinhosamente, “queridinha do vovô”. Se a cumprissem, se a respeitassem, se a seus limites se submetessem todos que a usam como instrumento de trabalho, nos vários níveis e compartimentos do Poder Judiciário, eu já me dava por satisfeito. Pedia um cafezinho e perderia menos tempo diante do teclado do computador.

Na esteira dessa permissividade interpretativa, gasta-se um tempo que permitiria dar duas voltas ao mundo. O Supremo perdeu credibilidade, a censura retornou agravada ao cotidiano nacional, as opiniões se percebem ameaçadas e sitiadas, e os cidadãos à direita do arco ideológico que querem exercer sua liberdade têm no horizonte interdições de direitos, tornozeleiras e grades.

Partidos e parlamentares de esquerda recorrem com assiduidade ao STF para pedir que sancione seus adversários com penas de inelegibilidade e prisão; no parlamento, requerem cassações de mandatos. Aqueles silenciosos e sigilosos inquéritos do fim do mundo passaram a integrar o arsenal retórico com que alguns pretendem conter a oposição: “Olha que o bicho-papão te põe no saco do inquérito!”.

É nesse cenário que a PGR considerou viável pedir a prisão do senador Sérgio Moro em virtude de uma brincadeira, feita tempos atrás durante uma quermesse. Em Estado de Direito, algo assim não ocorre. É como se ensaiássemos, aqui, um faroeste onde a lei é feita por quem se vê como xerife. Não faz grande diferença, em parâmetros civilizados, se é a tinta na caneta e não a bala no cartucho o instrumento do abuso que vai substituir a lei em nome de intenções que, muito comumente, dão sinais de envolver mais uma satisfação própria do que a da sociedade.

Depois de tudo que vi nos últimos quatro anos, identifico com clareza a propagação de uma síndrome no Estado brasileiro – a Síndrome A. de M.. Ela pode ser identificada em muitos titulares de poder que agem como o ministro Alexandre de Moraes em suas afoitas e pesadas intenções punitivas.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 


Maria Margareth -   24/04/2023 06:54:05

Excelente texto! Oportuno. Obrigada.

Antônio Ferreira -   21/04/2023 08:44:56

Seu texto apresenta, em resumo: 1. Os poderes constituídos não estão garantidos; 2. Um poder subjugou outros desrespeitando a constituição; 3. A constituição está rasgada e jogada num canto do STF, que deveria garanti-la e, 4. O remédio que a própria constituição indica para esses casos, foi tratado como tentativa de golpe. Ora, o Brasil, como um carro, perdeu o pedal de freio, resta usar o freio de mão puxando com força.

felipe luiz ribeiro daiello -   21/04/2023 08:00:34

A mentira tem perna curta, basta ler a Condstituição.

Pedro Sérgio de Freitas Melo -   20/04/2023 19:14:35

Sempre perfeito, parabéns.

Antonio Fallavena -   20/04/2023 15:48:41

Prezadíssimo Puggina, nosso problemas são muitos e ,a todo momento, criam-se outros. No entanto, é preciso enxergar por passam as soluções. O STF é apenas um pedaço do problema. Acredito, piamente, que nosso maior problema está no eleitor. A forma de distribuição de títulos de eleitor; a falta de conhecimentos da imensa maioria dos brasileiros e corrupção que nasce na sociedade e se alastra por todos os níveis do poder, são questões que precisam ser repensadas e resolvidas. Tentar soluções apenas reparadoras, só nos levará a caminhos mais difíceis. Tudo nasce no povo e as soluções estão nele!

Ivani Lima -   20/04/2023 11:32:57

Sr.Puggina, a Constituição tendo sido escrita com olhos no futuro e pés no passado, interpretada ao melhor interesse de membros do judiciário, como o destacado A.C., torna-se ainda mais perniciosa a nós, meros mortais que apenas anseiam por liberdade e justiça.

Eloy Severo -   20/04/2023 11:02:14

Muito bom e oportuno comentário. Tb não gosto da constituição de 1988.

Frederico Hagel -   20/04/2023 09:56:54

Prezado Puggina, estamos num beco escuro, será que temos saída como nação?

Eduardo O. Bertolucci -   20/04/2023 09:32:06

Parabéns Dr. Puggina, sua análise está bem corroborada com a atualidade brasileira. A Constituição de 1988 deixou muitas lacunas à interpretação e hoje estamos à mercê de mentes egoistas e até doentias. Estes alertas são importantes para que a sociedade esteja ciente do perigo que corremos .

Julio Cezar de Freitas -   20/04/2023 09:31:53

O que se vê quando ministros rasgam e pisam na constituição que deveriam defender é que temos um Senado vendido, na figura do Pacheco, e também que as sabatinas no Senado são fracas, não cumprem a função de rejeitar indicações ruins. Um processo que precisa melhorar para as próximas indicações.

Armando Micelli -   20/04/2023 09:29:21

Bom dia admirado amigo de tantos anos, Percival. "...É como se ensaiássemos, aqui, um faroeste onde a lei é feita por quem se vê como xerife". Está ótimo o seu texto. A cada dia você nos surpreende com um escrito melhor e sempre pertinente. Admiro a sua coragem. Nos dias em que vivemos, ela nos é preciosa. Abraços.

Eliel Renovato de Lima -   20/04/2023 09:28:55

O problema reside no conluio entre o STF e os presidentes das duas casas legislativas. Há aí uma "caixa-preta". não dá para entender a brutal mudança de atitudes dos ministros do STF, de 2015 para cá.

Menelau Santos -   19/04/2023 19:22:22

Professor, oportuníssimo seu artigo. Está muito complicado esse nosso judiciário brasileiro. Dá a impressão que existe um crime hediondo adicionado às nossas Leis: ser simpatizante do Bolsonarismo ou aparentar anti-lulismo. E esse PGR ...hein? Nunca fui com a cara desse senhor. Totalmente incoerente e inconstante e parcial. Nos tempos da C...id. foi um desastre.

Manoel Luiz Candemil -   19/04/2023 17:10:43

O Senado pode parar o STF quando quiserem seus membros. Então torna-se injusto o apontamento de responsabilidades apenas a ministros da Corte. Uma mesma energia circula por aquelas Casas.